Como a base de Bolsonaro reagiu ao relatório dos militares sobre as urnas
O Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, ainda não definiu se vai usar o relatório de fiscalização do sistema eletrônico de votação elaborado pelas Forças Armadas – que não apontou fraude, mas também não excluiu essa possibilidade – para embasar uma contestação do resultado das eleições. Por ora, a cúpula do partido e Bolsonaro ainda avaliam o diagnóstico apresentado pelo Ministério da Defesa, mas há conversas nos bastidores com militares, o “núcleo duro” do governo e aliados do Congresso para decidir os próximos passos.
Nesta quinta-feira (10), Bolsonaro teria se reunido com os comandantes das Forças Armadas, generais do Alto Comando e o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, de forma presencial e remota, para discutir o relatório e os protestos populares em frente aos quartéis. A informação foi divulgada pelo site O Antagonista.
Segundo afirmam interlocutores do núcleo duro de Bolsonaro à Gazeta do Povo, uma nota conjunta das Forças Armadas será divulgada nesta sexta-feira (11). Ela será assinada pelos comandantes do Exército, general Freire Gomes, da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior.
O teor da nota ainda é desconhecido, mas militares e aliados do governo presumem que as Forças Armadas devem reforçar a defesa do relatório produzido a fim de rechaçar o discurso de críticos, que acusam os militares de terem sofrido influência política de Bolsonaro. O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por exemplo, disse nesta quinta que o chefe do Executivo tem que pedir “desculpas” por ter “usado” os militares para fiscalizar as urnas eletrônicas sem necessidade. A prova disso é que o relatório não apontou fraude nas eleições deste ano.
“Um presidente da República, que é o chefe supremo das Forças Armadas, não tinha o direito de envolver as Forças Armadas a fazer uma comissão para investigar urnas eletrônicas, coisa que é da sociedade civil, dos partidos políticos e do Congresso Nacional”, disse Lula. “O resultado foi humilhante. Eu não sei se o presidente está doente, mas ele tem a obrigação de vir à televisão e pedir desculpas para a sociedade brasileira e pedir desculpas às Forças Armadas, por ter usado as Forças Armadas”, complementou.
O colegiado a qual Lula se refere é a Comissão de Transparência das Eleições (CTE), que foi constituída pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ampliar a fiscalização e transparência do processo eleitoral. Ocorre, porém, que, diferentemente do que o presidente eleito sugere, não houve imposição de Bolsonaro para que as Forças Armadas fossem inseridas no comitê. Elas foram convidadas pelo então presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso.
O convite de Barroso às Forças Armadas foi interpretado pela caserna como uma intenção de ratificação da segurança das urnas eletrônicas e do sistema eleitoral. À época, o general Fernando Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa de Bolsonaro, foi convidado a assumir a direção-geral do TSE, mas desistiu após a contrariedade dos militares às suspeitas das intenções do magistrado. Aliados do presidente não descartam que a nota prevista para sexta enfatize isso.
Que brecha o relatório dos militares deixa para contestações às eleições
A despeito da avaliação de Bolsonaro e do PL sobre contestar ou não o resultado, a base governista no Congresso está convencida que o relatório das Forças Armadas e o ofício assinado pelo ministro da Defesa dão brecha para questionamentos. Um dos pontos diz respeito à possibilidade de “relevante risco à segurança do processo” eleitoral após a “compilação do código-fonte e consequente geração dos programas”.
Os militares sustentam que, dos testes de funcionalidade, realizados por meio do Teste de Integridade e do Projeto-Piloto com Biometria, não é possível afirmar que “o sistema eletrônico de votação está isento de influência de um eventual código malicioso que possa alterar o seu funcionamento”. Em função disso, as Forças Armadas sugeriram “realizar uma investigação técnica para melhor conhecimento do ocorrido na compilação do código-fonte e de seus possíveis efeitos”.
Os militares também recomendam “promover a análise minuciosa dos códigos binários que efetivamente foram executados nas urnas eletrônicas”. A fim de atender a esses questionamentos, os militares sugeriram ao TSE a criação de uma “comissão específica” composta por “técnicos renomados da sociedade” e por “técnicos representantes das entidades fiscalizadoras”.
Os apontamentos e recomendações foram suficientes para a base aliada de Bolsonaro no Senado acionar a Procuradoria-Geral da República (PGR). Capitaneados pelo senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), 14 senadores pediram investigação baseado no relatório dos militares. “Diante de um processo eleitoral tão conturbado, dirimir possíveis dúvidas é um dever do Estado”, diz.
O senador Marcos Rogério (PL-RO) foi outro a se manifestar. Ele critica a nota do TSE que fala em analisar “oportunamente” as sugestões encaminhadas para o aperfeiçoamento do sistema e cobra celeridade. “Em razão das dificuldades que [as Forças Armadas] tiveram para fazer essa investigação para afastar de vez qualquer dúvida em relação ao processo, são sugestões importantes e que não são para serem analisadas oportunamente, é preciso encarar com a urgência que o caso requer”, disse à TV Jovem Pan.
O deputado federal Filipe Barros (PL-PR) fez discurso na tribuna do plenário da Câmara para citar trechos técnicos do relatório que apontam não haver garantias de que o código-fonte examinado pelas entidades fiscalizadoras — inclusive as próprias Forças Armadas, técnicos de partidos e outros especialistas — é o mesmo instalado nas urnas na forma de programas executáveis. “O que vimos no relatório é uma completa falta de sensibilidade e seriedade do TSE”, critica.
O deputado federal General Girão (PL-RN) foi outro a criticar o TSE na tribuna da Câmara. “Quando você vê o relatório pela primeira vez você tem aquele impacto de decepção. Quando lê pela segunda ou terceira vez você vê que, ali, tem duas mensagens fortes. A primeira é que os nossos técnicos não tiveram a autorização do Tribunal Superior Eleitoral de fazerem a conferência do código-fonte das urnas. E a segunda é dizer que, deste jeito, como foi feito, sim, cabem invasões no código-fonte”, diz.
Em coletiva de imprensa na terça-feira (8), o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, disse que aguardaria o relatório das Forças Armadas para definir se o partido contestaria ou não o resultado. “Eu acho que, dependendo do que eles apresentarem, nós vamos brigar para o TSE responder para a gente esses questionamentos que possam trazer. Nós fizemos alguns, eu faço alguns diariamente até para alguns amigos do TSE”, declarou.
O que diz o TSE sobre o relatório das Forças Armadas
Em nota publicada pelo TSE na quarta-feira (9), após o recebimento e a divulgação do documento, o ministro Alexandre de Moraes, presidente da Corte Eleitoral, afirmou que o tribunal recebeu o documento “com satisfação”. “Assim como todas as demais entidades fiscalizadoras, [o Ministério da Defesa] não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”, diz a nota.
O tribunal informou ainda que as “as sugestões encaminhadas para aperfeiçoamento do sistema serão oportunamente analisadas” e finalizou afirmando que “as urnas eletrônicas são motivo de orgulho nacional, e que as Eleições de 2022 comprovam a eficácia, a lisura e a total transparência da apuração e da totalização dos votos”.
A reportagem entrou em contato com o TSE novamente nesta quinta-feira (10) e a assessoria reforçou que o posicionamento é o mesmo que já foi divulgado na quarta. A Corte Eleitoral reforçou que as sugestões “serão oportunamente analisadas”.
O relatório de fiscalização era aguardado com ansiedade, seja por ministros do Supremo Tribunal Federal e do TSE apreensivos com a possibilidade de que fosse usado por Bolsonaro para contestar a eleição de Lula, seja por apoiadores do atual mandatário que têm se reunido em frente aos quartéis, em capitais e várias cidades do país, para pedir uma intervenção das Forças Armadas para impedir a posse do petista, o que contraria a Constituição Federal, com base em uma suspeita infundada de fraude.
O envio do documento ao tribunal foi antecipado – inicialmente, o plano da Defesa era encaminhar o relatório 30 dias após a análise de toda a fiscalização realizada.
Também nesta quinta, o TSE publicou no site oficial a informação de que organismos internacionais e nacionais atestaram a confiabilidade das eleições brasileiras. “Missões de Observação Eleitoral (MOEs) que acompanharam as Eleições Gerais de 2022 atestaram: o processo eleitoral brasileiro é seguro, confiável, transparente e eficaz, e as urnas eletrônicas são uma fortaleza da democracia”, informa.
Segundo a Corte, mais de 120 observadores internacionais acompanharam a votação e a totalização dos resultados durante os primeiro e segundo turnos após analisar “por meses” a urna eletrônica. “Além dos observadores estrangeiros, oito instituições nacionais presenciaram os trabalhos do processo eleitoral deste ano”, diz o TSE.