Quais fatores explicam a vitória de Lula no 2º turno da eleição de 2022
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República pode ser explicada principalmente pela economia e pela alta rejeição do presidente Jair Bolsonaro (PL). Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo dizem que os problemas na economia têm implicações sociais que alimentaram a insatisfação com Bolsonaro. E, embora Lula também tenha alta rejeição devido ao antipetismo e aos escândalos de corrupção nos governos do PT, a do atual presidente acabou sendo maior.
O sociólogo Arilton Freres, diretor do Instituto Opinião, afirma que o segundo turno foi marcado pela disputa de rejeições. Para ele, Bolsonaro enfrentava dificuldades maiores em segmentos específicos, como os jovens e as mulheres. E o ex-presidente Lula acabou se beneficiando.
“Essa eleição de segundo turno foi a batalha de rejeições. Quando Bolsonaro conseguiu sobrepor a pauta ideológica e de costumes ao debate econômico, ele fez com que a rejeição do Lula crescesse. Mas muitas eleitoras e muitos jovens eleitores, que na eleição passada votaram em Bolsonaro pensando que aquelas declarações deles eram passageiras, perceberam uma continuidade do tom agressivo por parte do presidente ao longo do mandato”, diz Freres.
Na avaliação de Lucas Fernandes, cientista político e analista da BMJ Consultoria, Lula conseguiu explorar a rejeição de Bolsonaro. “O Lula conseguiu avanços importantes, mesmo quando as pesquisas do primeiro turno não captaram que o antipetismo ainda estava muito forte na sociedade. O ex-presidente teve um desempenho melhor do que o [Fernando] Haddad em 2018. Mesmo onde ele perdeu, ele perdeu por uma diferença menor e onde ele ganhou, ele conseguiu ampliar a margem”, explica Fernandes.
Economia estava entre as prioridades do eleitor, e isso favorecia Lula
Desde o início do ano, a agenda socioeconômica – como a geração de empregos, a inflação e a insegurança alimentar – eram apontadas como as principais preocupações do eleitorado. Com base nisso, os estrategistas da campanha de Lula sempre tentaram pautar a disputa para essa área, que era desfavorável ao presidente Bolsonaro – e um dos motivos da alta rejeição dele.
Para tentar contornar esse cenário, o governo do presidente Bolsonaro aprovou medidas emergenciais como o aumento do Auxílio Brasil e a redução de impostos sobre os combustíveis. Mas os efeitos foram limitados ao melhorar a situação do eleitor, e a campanha dele apostou em outra agenda. “O presidente Bolsonaro ganhou uma musculatura no final do primeiro turno ao impor o debate ideológico, pois para ele o debate econômico era muito ruim. Ele conseguiu reduzir a rejeição, mas não ao ponto de que a do Lula fosse maior”, afirma Freres.
Na avaliação de Paulo Loiola, estrategista da Baselab Consultoria, Bolsonaro deixou a questão econômica de forma secundária na campanha, apesar de o tema ser a prioridade da população neste ano. “A condução econômica é ponto muito desfavorável a Bolsonaro e ele não conseguiu superar essa barreira. O próprio Auxílio [Brasil] foi uma questão que o Bolsonaro não defendeu no primeiro momento. Depois tentou capitalizar eleitoralmente. Mas não conseguiu”, diz Loiola. Por outro lado, o ex-presidente Lula explorou ao máximo os números econômicos de quando foi presidente – que eram mais positivos do que os atuais.
Para Marcelo Senise, marqueteiro e coordenador político da agência Social Play, a campanha petista conseguiu fazer com que o eleitor relembrasse o governo Lula e abandonasse a “tensão” do governo Bolsonaro. “O ex-presidente Lula apostou em um discurso de pacificação. Isso pega o eleitor que está fora das bolhas ideológicas. Eu acho que eles [da campanha do PT] foram muito felizes em conseguir trazer de volta a memória do eleitorado de como foi o auge do governo Lula – sobretudo na economia, em que tanto os mais pobres quanto os ricos ascenderam economicamente”, diz Senise.
Pauta da corrupção nos governos do PT não se sobrepôs à agenda de Lula
O presidente Bolsonaro explorou durante a campanha os casos de corrupção dos governos petistas para desgastar Lula, e apostou na pauta ideológica e de costume como estratégia eleitoral. Contudo, na avaliação dos especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, Bolsonaro não conseguiu sobrepor seu discurso ao do petista.
“O Bolsonaro escolheu atacar o Lula pelo caminho da corrupção. Mas diversas pesquisas mostravam que esse tema era secundário para o eleitorado. Diferente de 2018, essa é uma eleição muito mais marcada pelo pragmatismo. E, nisso, o Lula conseguiu ser mais assertivo e dialogar melhor com o eleitorado”, diz Lucas Fernandes, da BMJ Consultoria.
Já para Arilton Freres, do Instituto Opinião, a pauta ideológica e do combate à corrupção, levantadas por Bolsonaro, teriam mais repercussão no eleitorado caso a economia estivesse melhor. Para ele, as medidas econômicas tomadas pelo governo foram tardias. “Em 2018 as eleições foram muito pautadas pela corrupção e a Lava Jato estava muito presente. Neste ano, o eleitor de fora da bolha da esquerda ou da direita estava preocupado com o bolso. Então eu acho que existiu uma certa ‘precificação’ por parte do eleitorado. Todo mundo reconhece esse tipo de problema [corrupção], mas há um sentimento que isso não é restrito ao PT. Então, esse cenário ajudou o Lula”, diz o sociólogo.
Alianças do PT atraíram eleitor de centro
Na avaliação do analista Lucas Fernandes, a aliança de Lula com o ex-tucano Geraldo Alckmin (hoje no PSB) funcionou do mesmo modo que a “carta aos brasileiros” que o petista redigiu em 2002 para atrair os eleitores de centro. Além disso, o apoio de Simone Tebet (MDB), que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, também foi determinante para Lula atrair o eleitorado de fora da esquerda.
“Várias sugestões que a Tebet fez foram acatadas pela campanha do PT neste segundo turno. Desde a sugestão de o Lula usar menos vermelho, até levar o debate mais para o centro. Essa participação efetiva contribui para a transferência de votos, pois o eleitor que votou na Tebet no primeiro turno não necessariamente iria votar no Lula no segundo turno sem um engajamento da própria senadora”, explica Fernandes.