Quais estados preferem Lula mas não querem governador de esquerda?

Pesquisas de intenção de voto mostram um desencaixe entre as eleições para presidente e governador em pelo menos três estados do país. Segundo os levantamentos, Minas Gerais, Bahia e Ceará têm o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente na corrida presidencial, enquanto pré-candidatos que não o apoiam lideram a disputa pelo governo estadual. 

Em Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país, Lula tem 42% das intenções de voto, segundo levantamento feito pelo Paraná Pesquisas (veja metodologia abaixo). O presidente Jair Bolsonaro (PL) marca 34%.

Já na disputa pelo Executivo estadual quem lidera é o atual governador, Romeu Zema (Novo). Outro levantamento do Paraná Pesquisas aponta que Zema tem 45,7% das intenções de voto, frente a 27,4% de Alexandre Kalil (PSD), pré-candidato apoiado por Lula.

Critérios diferentes para definir voto

Segundo Paulo Roberto Leal, professor da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), o descolamento entre o voto para presidente e para governador é algo “muito comum” em Minas. Ele cita como exemplo as eleições de 2002 e 2006, em que Aécio Neves (PSDB) venceu a disputa para governador, e Lula foi o candidato a presidente mais votado no estado.

Em 2010 também não houve alinhamento: o governador eleito em Minas foi Antonio Anastasia (à época no PSDB), enquanto Dilma Rousseff (PT) obteve a maioria dos votos para presidente.

“Esse fenômeno de um certo alinhamento [entre governador e presidente] ocorreu em 2014 [com Dilma e Fernando Pimentel] e parcialmente em 2018, quando o Zema declarou apoio ao Bolsonaro. O descolamento entre o voto para governador e o voto para presidente tem uma certa história [em Minas]”, diz o professor.

De acordo com Leal, isso ocorre porque os critérios que o eleitor mineiro utiliza para escolher seu candidato a governador não são necessariamente os mesmos usados para definir o voto para presidente. “Para uma parcela grande do eleitorado de Minas, não há uma percepção de que isso seja um problema”, afirma.

Apoio de Bolsonaro pode atrapalhar Zema

Mesmo que seja contrário a Lula, Zema tem evitado associar-se a Bolsonaro. O PL, partido do presidente, avalia se lança ou não Carlos Viana (PL) como candidato a governador – a decisão, segundo Viana, está nas mãos do diretório nacional da agremiação.

“Nesse momento, Zema teria mais a perder do que a ganhar com um alinhamento automático ao Bolsonaro. Seria um movimento arriscado”, afirma o professor da UFJF.

Uma pesquisa do Datafolha divulgada no início de julho mostra que 44% dos mineiros consideram o governo de Bolsonaro como ruim ou péssimo. Outros 25% avaliam a administração como regular, e 30% como boa ou ótima.

Candidato do PT é “azarão” na Bahia

Na Bahia, ACM Neto (União Brasil) aparece com chances de vencer a eleição em primeiro turno em uma pesquisa realizada pela Genial/Quaest.

Segundo o levantamento, o pré-candidato tem 61% das intenções de voto, contra 11% do segundo colocado, Jerônimo Rodrigues (PT). O candidato que tem apoio de Bolsonaro, o ex-ministro João Roma (PL), tem apenas 6% das intenções de voto.

Outra pesquisa da Genial/Quaest mostra Lula com 62% das intenções de voto na Bahia, frente a 19% de Bolsonaro.

Matheus Silveira Lima, professor de Ciência Política na UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), afirma que, ao contrário do caso de Minas, na Bahia há uma tendência eleitoral de alinhamento entre os governos estadual e federal.

Mas, segundo ele, o cenário pode mudar em 2022, já que o pré-candidato do PT “é um azarão”.

“É a primeira eleição do Jerônimo, ele não é muito conhecido. Mas pode surpreender. A estrutura do governo estadual terá peso [Rui Costa, do PT, é o atual governador] e pode gerar um crescimento. A dúvida é se isso vai levar a um segundo turno”, afirma.

ACM foca na política local

De outro lado, ACM Neto, que é de centro, tem evitado declarar um posicionamento nas eleições presidenciais. Em entrevista ao UOL, o ex-prefeito de Salvador afirmou que nem Lula nem Bolsonaro representam o “projeto dos sonhos” para o país. “A questão é: teremos uma alternativa a um dos dois?”, ponderou.

De acordo com Lima, ACM tenta se deslocar da disputa nacional e focar na política local. Isso porque, na Bahia, Bolsonaro “tem pouco a oferecer” como puxador de votos. E, de outro lado, o pré-candidato do União Brasil “tem rusgas históricas com Lula”.

“O ACM Neto deve tentar mostrar as realizações dele como prefeito e reativar alianças histórias com prefeituras do interior da Bahia. É uma estrutura para descolar a eleição de governador da de presidente”, avalia o professor.

Rusgas entre PT e PDT afetam eleição no Ceará

No Ceará, o desencaixe entre as intenções de voto para governador e presidente acontece, em parte, pela influência de dinâmicas nacionais sobre a política local.

Segundo levantamento do Paraná Pesquisas, Lula tem 42,1% das intenções de voto no estado, contra 28,6% de Bolsonaro. Já na eleição para governador quem lidera é Capitão Wagner (União Brasil), apoiado por Bolsonaro. De acordo com o Paraná Pesquisas, Wagner tem 44,5% das intenções de voto, frente a 29,2% de Roberto Cláudio (PDT).

O candidato do PDT seria o representante de uma aliança de anos entre o partido, o PT e outras agremiações, articulada pelos irmãos Ferreira Gomes (Cid Gomes, senador; Ciro Gomes, ex-governador; e Ivo Gomes, prefeito de Sobral). Mas a escolha de Roberto Cláudio precipitou uma ruptura do grupo político.

Ex-prefeito de Fortaleza, Cláudio é um político próximo de Ciro, que concorre à Presidência pelo PDT. O PT, por outro lado, preferia a candidatura da atual governadora Izolda Cela (PDT). A pedetista assumiu o governo depois de Camilo Santana (PT) renunciar ao posto para concorrer ao Senado.

Cleyton Monte, professor e cientista político da UFC (Universidade Federal do Ceará), explica que a escolha de Cláudio como candidato e a reação do PT têm relação com a postura de Ciro nas eleições nacionais.

“Desde 2018, o Ciro partiu para cima do PT, porque sabe que não tem como crescer [na disputa presidencial] com a força que o PT tem. Até pouco tempo atrás isso não afetava a aliança cearense. Mas há mais ou menos dois meses esses ataques do Ciro passaram a se aproximar do PT do Ceará, e essa aliança começou a estremecer”, diz Monte.

No final de semana, o PT anunciou a pré-candidatura de Elmano de Freitas ao governo do Ceará, rompendo definitivamente a aliança com o PDT de Ciro. Com isso, os votos da esquerda podem se dividir.

Capitão Wagner expande influência

E, enquanto o grupo político que unia os Ferreira Gomes e o PT se desfaz, o candidato de Bolsonaro tem ocupado os espaços.

“Com as bases governistas em compasso de espera, o Capitão Wagner avançou pelo interior, conseguiu prefeituras importantes. Ele está fazendo campanha há praticamente dois anos, desde que terminou a eleição para a prefeitura de Fortaleza”, afirma o professor da UFC.

Em 2020, Wagner chegou ao segundo turno na disputa pelo Executivo da capital cearense.  Ele perdeu as eleições por pouco: fez 48,31% dos votos, contra 51,69% do adversário, Sarto (PDT).

“Já ficou claro nas eleições de 2020 que a população queria mudança, alguma possibilidade de renovação. Então por tudo isso – pela desorganização da base governista, pela divisão [do grupo dos Ferreira Gomes e do PT], pela articulação no interior – o Capitão Wagner aparece liderando as pesquisas de intenção de voto no Ceará”, diz Monte.

Atualmente deputado federal, Wagner vinha se esquivando do apoio de Bolsonaro. Mas, na semana passada, o pré-candidato subiu no palanque com o presidente durante a Marcha para Jesus, que aconteceu em Fortaleza. Mesmo assim, Wagner não publicou fotos com Bolsonaro em suas redes sociais. 

Segundo Monte, da UFC, trata-se de um sinal de que a distância entre os dois está diminuindo, ainda que Bolsonaro tenha pouco sucesso eleitoral no Ceará. 

“Não se sabe até que ponto essa rejeição [a Bolsonaro] vai contaminar o Capitão Wagner. […] O que ele tem feito é dizer que não quer nacionalizar a campanha, que quer tratar de temas do estado. Não sabemos se o eleitor vai comprar essa narrativa”, diz.

Metodologia das pesquisas citadas

  • Paraná Pesquisas – presidente – Minas Gerais

A pesquisa eleitoral do Paraná Pesquisas entrevistou por telefone 1.640 mil pessoas, entre os dias 9 e 14 de julho. A margem de erro do levantamento é de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%, sob o registro na Justiça Eleitoral com o número MG-06063/2022 e BR-01100/2022.

  • Paraná Pesquisas – governador – Minas Gerais

O Paraná Pesquisas entrevistou, face a face, 1.640 eleitores de Minas Gerais entre os dias 9 e 14 de julho de 2022. A pesquisa, feita com recursos próprios do instituto, tem uma margem de erro de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%. Ela está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o protocolo MG-06063/2022.

  • Datafolha – Minas Gerais

O Datafolha ouviu 1.204 pessoas entre os dias 29 de junho e 1 de julho em 52 cidades de Minas Gerais. A margem de erro do levantamento é de três pontos percentuais para mais ou para menos. A pesquisa foi registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o número MG-07688/2022.

  • Genial/Quaest – governador – Bahia

A pesquisa eleitoral encomendada pela Genial Investimentos para a Quaest Consultoria e Pesquisa entrevistou 1.140 mil pessoas presencialmente, entre os dias 9 e 12 de julho. A margem de erro do levantamento é de 2,9 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%, sob o registro na Justiça Eleitoral com o número BA-05185/2022 e BR-03146/2022.

  • Genial/Quaest – presidente – Bahia

A pesquisa eleitoral encomendada pela Genial Investimentos para a Quaest Consultoria e Pesquisa entrevistou 1.140 mil pessoas presencialmente, entre os dias 9 e 12 de julho. A margem de erro do levantamento é de 2,9 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%, sob o registro na Justiça Eleitoral com o número BA-05185/2022 e BR-03146/2022.

  • Paraná Pesquisas – presidente – Ceará

O levantamento do Paraná Pesquisas entrevistou 1.540 pessoas em 58 municípios do estado do Ceará no período entre os dias 11 e 15 de julho. A margem de erro do levantamento é de 2,5 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%. A pesquisa está registrada na Justiça Eleitoral com o número BR-03182/2022.

  • Paraná Pesquisas – governador – Ceará

O Paraná Pesquisas entrevistou 1.540 eleitores do Ceará em 58 municípios no período que vai de 11 a 15 de julho. O levantamento, contratado pelo próprio instituto, tem margem de erro de 2,5 pontos percentuais e nível de confiança de 95%. Ele está registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o protocolo CE-05080/2022.

Referência: https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/quais-estados-preferem-lula-mas-nao-querem-governador-de-esquerda/

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