Por que pesquisas eleitorais para presidente têm resultados diferentes
As pesquisas de intenção de voto para presidente da República vêm sendo divulgadas semanalmente por vários institutos. Números diferentes entre levantamentos realizados em períodos semelhantes, porém, por vezes chamam a atenção dos eleitores. Mas por que pesquisas distintas mostram percentuais discrepantes, ainda que próximos, para um mesmo candidato?
A Gazeta do Povo selecionou levantamentos de cinco institutos diferentes e consultou especialistas para entender o motivo das diferenças. As pesquisas foram realizadas pelo Ipec (sob encomenda da TV Globo), pela Quaest (em parceria com a Genial Investimentos), pelo Datafolha (contratado pela Globo e pela Folha de S.Paulo), pela FSB (com o banco BTG) e pela Futura Inteligência (com o banco Modal).
Foram escolhidas pesquisas que tiveram as datas de entrevistas mais próximas possíveis, entre os dias 9 e 15 de setembro. A metodologia dos levantamentos encontra-se ao final do texto. Veja os percentuais dos dois principais candidatos a presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), em cada um deles:
Volatilidade das preferências do eleitor
Primeiro, é preciso destacar que os resultados de Ipec, Datafolha, Quaest e FSB estão muito próximos ou até sobrepostos se consideradas as margens de erro dos levantamentos. O instituto que mais destoa é a Futura Inteligência, o único que mostra Bolsonaro à frente de Lula nesta seleção.
De qualquer forma, várias questões relacionadas a pesquisas eleitorais ajudam a entender o motivo das diferenças. O primeiro aspecto diz respeito à natureza desses levantamentos: eles não têm a intenção de prever o resultado da eleição.
Ednaldo Ribeiro, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que as pesquisas não apresentam dados suficientes para que sejam estabelecidos prognósticos sobre quem vai ganhar o pleito, ou com qual margem.
“A pesquisa eleitoral mede a preferência dos eleitores, não o comportamento. O comportamento é medido depois da eleição – quando o cidadão já praticou um ato, tem memória dele e o relata. A preferência está no campo das atitudes”, diz Ribeiro.
A diferença, explica o professor, é que o comportamento é estável, pois já aconteceu. As atitudes, não: elas são voláteis e podem mudar dependendo de estímulos recebidos pelo eleitor.
“As atitudes políticas são voláteis por natureza, mas no período eleitoral isso se intensifica. Se você adiciona ao cenário o fato de o Brasil ter pouca fidelidade partidária, essa volatilidade se torna ainda mais forte”, afirma o professor.
Por isso, um dia de diferença na coleta das entrevistas pode provocar alterações nos resultados de pesquisas. Ou seja, os números distintos podem indicar, justamente, uma mudança na preferência do eleitor, e não um erro cometido pelos institutos.
Como as entrevistas são feitas
Além disso, cada instituto adota procedimentos metodológicos próprios, o que não permite uma comparação direta entre uma pesquisa e outra.
Rafael Nishimura, estatístico e diretor de Operações de Amostragem do Survey Research Center da Universidade de Michigan, diz que diferentes escolhas metodológicas vão produzir efeitos positivos e negativos sobre os dados.
Ipec e Quaest, por exemplo, realizam seus levantamentos a partir de entrevistas presenciais e domiciliares. O Datafolha também questiona os respondentes pessoalmente, mas em pontos de fluxo, e não nas residências. Já FSB e Futura fazem entrevistas por telefone.
Nishimura afirma que há consenso entre estudiosos de que pesquisas presenciais têm maior cobertura, ou seja, alcançam mais pessoas. “Nas pesquisas presenciais todo mundo tem uma certa probabilidade de ser selecionado na amostra. Na pesquisa por telefone, só quem tem telefone pode ser selecionado. Isso é o que a gente chama de erro de cobertura. Se existe uma diferença sistemática entre pessoas que têm telefone e a forma como elas votam, isso vai ser refletido [nos resultados]”, diz o estatístico.
Por exemplo, nas eleições de 2022, pessoas com menor renda têm aparecido nos levantamentos com preferência maior por Lula do que por Bolsonaro. Assumindo que eleitores que têm telefone têm renda mais alta, o fato de usar esse método para coletar os dados tende a reduzir o percentual do petista nessas pesquisas.
No caso dos levantamentos presenciais, também há impacto se os respondentes são abordados em pontos de fluxo ou em seus domicílios. Segundo Nishimura, porém, não há dados suficientes para dizer exatamente qual é essa influência.
“No ponto de fluxo, a forma como as pessoas são selecionadas é mais complicada de se entender. Na minha opinião, a definição do que é um ponto de fluxo já é um tanto obscura. Também parece haver mais liberdade para que o entrevistador selecione os respondentes, ainda que existam cotas. Não é o desejável, porque idealmente a decisão [de quem entrevistar] precisa ser completamente aleatória”, diz.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o Datafolha, questionando como são definidos os pontos de fluxo e se há um protocolo para a abordagem dos respondentes pelos entrevistadores. O instituto não respondeu até a publicação desta reportagem.
No caso das pesquisas por telefone, também faz diferença a forma como os números são selecionados. O melhor procedimento, segundo Nishimura, é fazer uma escolha aleatória entre os intervalos de números disponibilizados pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). É o que faz a FSB.
Já a Futura sorteia os respondentes a partir de uma lista com mais de 200 milhões de números de telefone, fornecida por uma empresa especializada. Segundo o instituto, “pelo menos na teoria”, todos os números de telefone existentes no Brasil estão incluídos nessa relação.
Para Nishimura, porém, esse procedimento pode gerar um problema adicional, já que, se houver telefones fora da lista, a seleção dos respondentes acaba limitando ainda mais o grupo de pessoas que podem ser contatadas pela pesquisa.
Renda como fator para selecionar respondentes
Pesquisas de intenção de voto utilizam um conceito básico da estatística: a amostragem. O princípio é de que, para entender características de uma população, não é necessário aplicar questionários a todas as pessoas que a compõem. Basta, nesse caso, entrevistar um grupo dessas pessoas – uma amostra – que tenha características que representem a população como um todo.
A seleção dos indivíduos que vão compor esse grupo deve ser aleatória. O procedimento mais comum prevê que cada pessoa da população tenha a mesma probabilidade de ser selecionada para entrar na amostra.
Além da maneira de entrevistar as pessoas e do período de realização da pesquisa, a forma como os institutos compõem essas amostras também interfere no resultado. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são utilizados para definir quais devem ser as características da amostra.
Se compararmos Ipec e Quaest, por exemplo, que utilizam o mesmo método de entrevistas, veremos que o primeiro tem uma amostra com um percentual maior de pessoas com renda mais baixa (57% ganhando até dois salários mínimos) na comparação com o segundo (38% na mesma faixa).
A explicação está na forma como os institutos selecionam os respondentes. O Ipec escolhe áreas de realização da pesquisa e, depois, entrevista os eleitores de acordo com cotas de sexo, idade, grau de instrução, atividade em que trabalha (a partir de classificação feita pelo IBGE) e raça/cor. Ou seja, a renda dos respondentes, nesse caso, é uma consequência da seleção feita por outros critérios.
Já a Quaest usa a renda familiar como um fator de seleção, junto com sexo, faixa etária, grau de instrução e população economicamente ativa.
“Por um lado, a renda é uma variável interessante [a ser utilizada para selecionar respondentes] porque está correlacionada com o voto. Por outro, o argumento de não usar a renda para a seleção é de que essa variável é muito complexa para ser coletada. As pessoas muitas vezes não sabem qual é a renda do domicílio, ou podem dizer que têm renda maior ou menor do que a realidade”, explica Nishimura.
Por isso, segundo o estatístico, cada instituto pesa prós e contras e decide se vai, ou não, utilizar dados de renda para selecionar sua amostra.
Mais uma vez, isso gera diferenças nos resultados. Nessa eleição, segundo os levantamentos, há maior preferência por Lula entre eleitores com renda mais baixa, enquanto mais ricos dizem que votarão em Bolsonaro.
Se pesquisas não são previsões da eleição, como ler os resultados?
Diante de todas essas questões, o estatístico da Universidade de Michigan afirma que o ideal é ver as pesquisas como retratos de momento que, em conjunto, indicam tendências do eleitorado. Não necessariamente essas tendências seguirão as mesmas no futuro, mas, a partir dos levantamentos, é possível identificar quais candidatos estão subindo ou caindo, ou se o cenário é de estabilidade.
Ednaldo Ribeiro, da UEM, diz que modelos estatísticos podem usar as pesquisas de intenção de voto para prever o resultado da eleição. “Nesses modelos, entram todas as pesquisas. Se a maioria identifica uma tendência consistente e uma distoa, ela é como se fosse um ruído, que se perde no modelo”, explica. Esse método já é utilizado nos EUA, mas ainda não é disseminado no Brasil.
“Não é isso que nós fazemos [no caso brasileiro]. Aqui, usamos as pesquisas como retratos que ajudam a identificar tendências, e não prognósticos de resultado”, completa Ribeiro.
Metodologia das pesquisas citadas
O Ipec entrevistou 2.512 eleitores entre os dias 9 e 11 de setembro de 2022 em 158 municípios brasileiros. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pela TV Globo e está registrada no TSE com o protocolo BR-01390/2022.
O Datafolha entrevistou 5.296 eleitores entre os dias 13 e 15 de setembro. O levantamento foi contratado pelo jornal Folha de S. Paulo e pela TV Globo e está registrado no TSE com o protocolo BR-04099/2022. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%.
A pesquisa foi realizada pelo instituto Quaest e contratada pela Genial Investimentos. Foram ouvidos 2.000 eleitores presencialmente entre os dias 10 e 13 de setembro de 2022 em todas as regiões do país. A margem de erro estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o intervalo de confiança é de 95%. O levantamento foi registrado no TSE sob o protocolo BR-03420/2022.
O Instituto FSB Pesquisa ouviu, por telefone, dois mil eleitores entre os dias 9 e 11 de setembro de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pelo banco BTG Pactual e está registrada no TSE com o protocolo BR-06321/2022.
A pesquisa Modalmais, realizada pelo instituto Futura Inteligência, foi contratada pelo Banco Modal. Foram entrevistados 2 mil eleitores de todo o país entre os dias 12 e 14 de setembro. A margem de erro do levantamento é de 2,2 pontos percentuais para mais ou para menos, com nível de confiança de 95%. O registro no TSE é BR-00745/2022.
Referência: https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/pesquisas-eleitorais-presidente-diferencas-entenda/