Por que o mercado ficou mais preocupado com o governo Lula
A manutenção do arcabouço fiscal, a formação equipe econômica do governo eleito e o tamanho do “waiver” – a licença terá para gastar além do teto de gastos – estão na mira do mercado. Qualquer desvio de políticas pró-mercado tende a cobrar um preço caro.
Foi o que se viu na quinta-feira (10), depois das críticas do presidente eleito ao teto de gastos e da indicação do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para a área de orçamento e planejamento da equipe de transição. Em apenas uma sessão, a B3 caiu mais de 3% e o dólar subiu mais de 4%, batendo nos R$ 5,40. A fala de Lula também repercutiu mal entre alguns economistas e políticos que apoiaram a eleição do petista.
Novos sinais de que o governo eleito queira deixar a responsabilidade fiscal de lado podem acabar de vez com a boa vontade dos investidores em relação ao Brasil. O mercado teve comportamento relativamente tranquilo durante quase toda a campanha eleitoral e nos primeiros dias após a posse de Lula, e ao longo dos últimos meses o país passou a ser tratado como a “bola da vez” entre os investidores estrangeiros. Porém, agora cresceu a percepção de que o modo “buy Brazil” (“compre Brasil”, em inglês) possa ser trocado por “bye Brazil” (“tchau, Brasil”).
Pedro Paulo Silveira, economista da Nova Futura Asset, disse que o presidente eleito, ao identificar uma oposição entre equilíbrio fiscal e crescimento econômico, sinalizou para o mercado que está mais próximo da estratégia de Dilma Rousseff do que a sua no primeiro mandato, quando deu prioridade à formação de superávits nas contas públicas.
“As reações dos políticos e assessores próximos ao presidente eleito ainda mostram que há uma percepção de que as escolhas feitas por Dilma-Mantega em seu mandato desastroso estavam corretas e devem ser experimentadas novamente”, afirma.
Mantega assumiu o Ministério da Fazenda em março de 2006. Na época, o setor público consolidado exibia superávit primário (com arrecadação maior que as despesas) de 3,29% do PIB em 12 meses. Quando ele deixou o cargo, no fim de 2014, o saldo era negativo, com déficit primário de 0,54% do PIB, segundo o Banco Central.
Mercado correu para buscar proteção, diz economista
A XP Investimentos aponta que o mercado alertou que mais uma aventura fiscal pode custar caro para o país. “Com a moeda se desvalorizando, a inflação tende a subir e isso pode forçar o Banco Central a elevar ainda mais a taxa de juros. Como resultado, o poder de compra é corroído”, citam, em relatório, analistas da corretora.
Silveira, da Nova Futura Asset, complementa afirmando que o mercado não reagiu de forma “sensível” a um discurso – foi essa a expressão que Lula usou ao comentar o comportamento dos investidores na quinta-feira.
“O mercado correu para proteger suas posições, que incluem milhões de poupadores estrangeiros do risco de repetição do desastre ocorrido sob a gestão de Dilma Rousseff. Quando um presidente fala, ele emite sinais para a sociedade e é de se esperar que os agentes reajam racionalmente a esses sinais, calibrando suas decisões em torno delas”, escreveu em relatório.
Ele lembra que esta é uma situação potencialmente explosiva para o país, já que a situação fiscal é grave, o potencial de crescimento está comprometido e o capital político do novo governo é muito menor que o do primeiro mandato de Lula. “As reações do presidente eleito e seus escudeiros, de considerar as preocupações do mercado como exageradas, mostram que eles não consideram os riscos explícitos de nossa conjuntura”, ressalta.
Uma das lições mais recentes de que o mercado não está disposto a aceitar mais descontrole fiscal em meio a inflação elevada vem do Reino Unido. Após o malsucedido anúncio de um pacote econômico que previa cortes de impostos e mais gastos, a então primeira-ministra Liz Truss se viu obrigada a renunciar ao cargo apenas 45 dias após a posse.
Outra preocupação do mercado é com a licença para gastar de Lula. Ele negocia com o Congresso a apresentação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para autorizar gastos de R$ 175 bilhões fora do teto de gastos, para bancar a nova versão do Bolsa Família, no valor básico de R$ 600 e adicional de R$ 150 por criança. O governo eleito também quer abrir espaço para mais gastos em um programa habitacional – o Minha Casa Minha Vida – e obras paradas, entre outros destinos.
Fontes com quem a Gazeta do Povo conversou nos últimos dias sinalizaram que o ideal para o mercado era de que a licença ficasse entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões.
De “buy Brazil” a “bye Brazil”?
Um temor é que a posição dos investidores passe de “buy Brazil” para “bye Brazil” com essa tendência a uma guinada a uma política econômica mais similar à adotada por Dilma Rousseff. Uma série de fatores vinham impulsionando o mercado brasileiro, aponta a economista Myriã Bast, do Bradesco:
- as contas externas mantiveram-se em um patamar apropriado. O déficit em conta corrente segue plenamente financiado pelos investimentos estrangeiros diretos;
- o país tem um endividamento externo manejável: a dívida externa (US$ 323 bilhões) é coberta pelas reservas internacionais (US$ 327 bilhões);
- o crescimento da economia e o maior juro real, atraente para quem aplica em renda fixa;
- o ciclo de aperto monetário começou antes no Brasil, em março de 2021, e parece ter se encerrado, com a Selic parando de subir após chegar a 13,75% ao ano.
Mesmo a questão fiscal, um dos principais desafios na economia do Brasil, trouxe menos preocupação ao longo de 2022. A combinação de crescimento, inflação, receitas extraordinárias – como os dividendos recordes da Petrobras – e certo controle das despesas permitiu um superávit primário, que pode chegar a 1% do PIB ao fim do ano, e um endividamento público menor do que o esperado, de 77,1% do PIB em setembro.
As incertezas em relação ao futuro da economia fazem com que, segundo a XP, seja interessante que o investidor se mantenha na defensiva. A corretora sugere aplicações em renda fixa pós-fixada ou atrelada à inflação, principalmente em papéis de curto e médio prazo, e investimentos internacionais e dolarizados.
No curto prazo, a Bolsa tende a sofrer em cenário de juros
maiores e elevação do prêmio de risco. Mas, no longo prazo, especialistas de mercado
apontam que ela pode assegurar uma boa proteção à inflação, devido às seguintes
razões:
- a bolsa brasileira está negociada com 40% de desconto em relação a sua média histórica.
- 68% da bolsa brasileira é composta por setores que não são muito afetados por inflação e câmbio mais alto, como bancos, commodities e elétrico;
- as empresas do Ibovespa são líderes do mercado, conseguindo repassar para seus preços um cenário de inflação mais elevada.