PL faz auditoria das urnas eletrônicas do TSE; saiba o que já foi levantado
Técnicos contratados pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, fazem desde agosto uma auditoria sobre o sistema de votação. O levantamento tem como foco todas as regras legais e regulamentos que se aplicam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O objetivo é verificar se o sistema de votação eletrônico segue as melhores práticas e normas técnicas na área de segurança da informação e transparência no processo eleitoral.
A auditoria foi autorizada pelo ex-presidente do TSE Edson Fachin após uma reunião com o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, no final de julho. Desde então, os técnicos contratados pelo partido realizaram duas reuniões com servidores do TSE. Os técnicos são engenheiros formados pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) na área de tecnologia da informação e são vinculados ao Instituto Voto Legal (IVL).
A primeira reunião também teve a participação de mais de 80 representantes de outras entidades fiscalizadoras do sistema eleitoral – entre os quais integrantes da Polícia Federal, Ministério Público Federal, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e das Forças Armadas. Além do PL, mandaram representantes outros 19 partidos, incluindo União Brasil, PT, MDB, PSD, Republicanos, PTB. Participaram ainda representantes de 16 centrais sindicais, associações e movimentos sociais.
A maior parte dessa primeira reunião serviu para integrantes da cúpula do TSE e da área técnica apresentarem todos as etapas da fiscalização feita pelo próprio tribunal. Foi explicado o motivo do uso do sistema informatizado, expostas todas as etapas do processo – desde a preparação das urnas à divulgação do resultado – e detalhes sobre o processamento dos votos no dia da eleição. Também foram elencadas todas as oportunidades de fiscalização pelas entidades, desde a abertura do código-fonte dos programas instalados nas urnas eletrônicas, em outubro de 2021, à divulgação dos arquivos gerados na votação após o dia das eleições.
Quais são os objetivos da auditoria do PL
A auditoria do PL pretende ir além desses procedimentos. O partido busca levantar documentos técnicos internos, verificar se atendem a regramentos do próprio TSE e também a padrões de segurança recomendados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), órgão que realiza o controle externo das atividades do TSE.
O escopo desse tipo de fiscalização, chamada auditoria de conformidade, foi apresentado pelos técnicos contratados pelo PL a servidores da cúpula do TSE no dia 4 de agosto, numa reunião virtual de 90 minutos.
O engenheiro Carlos Rocha, que comanda a auditoria do PL, diz que sua equipe foi bem recebida ao explicar que o objetivo é colaborativo, no sentido de aprimorar a transparência e a confiança do eleitor no sistema. De acordo com ele, a então secretária-geral do TSE, Christine Peter, auxiliar direta de Fachin, disse que o ministro, após a reunião com Valdemar Costa Neto, determinou que os técnicos do TSE dessem todo apoio técnico e fornecessem as informações que seriam pedidas pelos engenheiros contratados pelo PL.
Depois disso, a equipe do partido elaborou e enviou ao TSE um questionário com 207 perguntas – até o fechamento desta reportagem elas ainda não haviam sido respondidas. Ainda assim, os engenheiros têm buscado as respostas em documentação do próprio tribunal para entender a fundo o funcionamento do sistema. Até o momento, segundo Carlos Rocha, foram verificados 20 achados de inconformidade – isto é, pontos a serem melhorados no processo.
Segundo Carlos Rocha, havia a expectativa de realização de uma segunda reunião exclusiva entre os técnicos do PL e do TSE. O problema é que, com a mudança na presidência do TSE – que passou de Edson Fachin para Alexandre de Moraes – a Secretaria Geral, onde se concentravam as conversas, também mudou: saiu Christine Peter e entrou em seu lugar o ex-advogado-geral da União Joaquim Levi, braço direito de Moraes.
Enquanto isso, a equipe do PL fez reuniões e buscou
documentos em outros órgãos, como o próprio TCU, onde foram realizadas três
reuniões, nos dias 2, 15 e 23 de agosto; no Instituto Nacional de Tecnologia da
Informação (ITI), órgão público que administra autarquia a Infraestrutura de
Chaves Públicas Brasileira, responsável pelo sistema oficial de certificação
digital no país; e também na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD),
outro órgão público, responsável pela fiscalização da garantia de privacidade
sobre dados pessoais.
O plano dos técnicos contratados pelo PL é entregar, nos próximos dias, um relatório completo sobre a auditoria. Caberá ao partido avaliar o que fazer com o documento. Carlos Rocha, no entanto, ainda tem a expectativa de uma nova reunião no TSE para esclarecer pontos. “Fizemos levantamento, estamos aguardando uma reunião para apresentar o que encontramos. Coletamos mais de 50 documentos, e iniciamos a auditoria conformidade”, diz o engenheiro.
A reportagem perguntou ao TSE, por meio de sua assessoria de imprensa, como está o andamento da auditoria, se e quando ocorrerão outras reuniões. Mas não obteve resposta do tribunal até a publicação desta reportagem.
PL defende teste da urna da forma proposta pelas Forças Armadas
Um dos pontos que a auditoria do PL entende que pode ser melhorada é em relação à forma como o teste de integridade das urnas eletrônicas, feito no dia da eleição, é executado.
O principal problema verificado na auditoria pelo PL é o mesmo apontado pelos técnicos militares das Forças Armadas: a realização do teste de integridade fora do ambiente normal de votação. Neste teste, urnas selecionadas aleatoriamente são retiradas dos locais de votação, no dia da eleição, e levadas para as sedes dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) em cada estado, para uma votação paralela, na qual votos digitados nas máquinas também são registrados em cédulas, para uma comparação final dos resultados.
O Ministério da Defesa diz que o ideal é realizar esse teste nas próprias seções eleitorais, após ativação das urnas com a biometria de eleitores reais, de modo que a votação simulada se aproxime ao máximo de uma votação real. A ideia é afastar a possibilidade de que um suposto código malicioso, percebendo que a urna não opera num ambiente de votação, funcione corretamente no teste, o que não poderia ocorrer numa votação real.
No último dia 30, após uma reunião entre o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, com o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, a Corte anunciou um “projeto piloto” para realizar o teste dentro das seções eleitorais e com uso da biometria, como sugerem os militares, em parte das mais de 600 urnas que serão avaliadas. A concretização só depende agora do empenho dos TREs, que ficaram de ser consultados.
Na auditoria do PL, a realização do teste de integridade fora da seção e sem a biometria é apontada como uma inconformidade. Isso porque, na própria resolução do TSE que dispõe sobre os procedimentos de fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação (a Resolução 23.673, de 14 de Dezembro de 2021), o teste de integridade é definido como um “evento de auditoria de verificação de funcionamento das urnas eletrônicas em condições normais de uso”. Para os técnicos do PL, as condições normais de uso, impostas na regra, devem incluir a votação dentro da seção eleitoral e com biometria de eleitores.
Desde que essa proposta foi feita pelas Forças Armadas, o TSE estava resistindo em aceitá-la, sob a alegação de que essa alteração no procedimento implicaria em complicações de ordem operacional e logística. O argumento é que os TREs já contrataram, mediante licitação, empresas de auditoria para realizar o teste em suas respectivas sedes – isso inclui a filmagem das votações na urna e nas cédulas, e a conferência dos resultados de forma documentada. Além disso, havia a alegação de risco de problemas de segurança dentro das seções, com a possibilidade de eleitores se recusarem ou protestarem contra o uso de suas biometrias para uma votação simulada.
Na resposta oficial dada à proposta das Forças Armadas, o TSE diz que a biometria não é usada em 100% do eleitorado, porque há pessoas não têm membros superiores e nem todos os eleitores cadastraram suas digitais. Além disso, a Corte afirmou que o código-fonte do programa das urnas referente à identificação biométrica pode ser inspecionado pelas entidades fiscalizadoras. A proposta de realizar o teste na seção eleitoral, com biometria, ficou como “sugestão a ser analisada no próximo ciclo eleitoral”.
O PL entende que é possível realizar o teste, em condições normais de uso, nas eleições deste ano. “Entendemos que o teste deva ser realizado na forma como especificada pela resolução. São processos extremamente simples. E existe uma resolução, assinada pelo presidente do TSE, publicada em dezembro, que define como deve ser feita a fiscalização. Não cabe dizer que é complicado, tem que seguir o que está nela”, diz Carlos Rocha.
Para reforçar, ele cita a conclusão de um exame de partes sensíveis do código-fonte da urna realizado por técnicos da Unicamp, a pedido do TSE. O documento, entregue em agosto ao tribunal, diz que “na votação paralela, nenhum trecho de código foi encontrado que pudesse ser usado para detectar um contexto de votação fora do rito oficial” – ou seja, não foram encontradas evidências que a urna se comporta de maneira diferente no teste de integridade.
Ainda assim, no final do relatório, o professor Ricardo Dahab, coordenador da análise, registrou que “a menos que seja possível realizar um exame exaustivo do código, acompanhado de testes em condições reais de uso, as conclusões serão sempre parciais”. Para o PL, é mais um argumento de que o teste de integridade deve ser feito da maneira mais próxima possível de uma votação real.
A Gazeta do Povo entrou em contato com o TSE, por meio de sua assessoria de imprensa, no último dia 24, para saber se a Corte considera irregular a atual forma com o que o teste é executado, tendo em vista a regra de sua própria resolução. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.