o que pode acontecer sugestões de militares não forem acatadas
O presidente Jair Bolsonaro (PL) vai manter, até as eleições, as cobranças ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a segurança das urnas eletrônicas e a transparência do sistema eleitoral. A intenção é que o TSE reveja sua posição e acate as sugestões apresentadas pelas Forças Armadas ainda neste ano – ou ao menos parte dessas sugestões. Mas o governo sabe que essa é uma possibilidade quase nula.
A Gazeta do Povo ouviu, em caráter reservado, seis fontes da ala militar e política do governo, da coordenação da pré-campanha do presidente, da base aliada e das Forças Armadas para saber o que pode acontecer se o TSE ignorar os pedidos de Bolsonaro e ele perder a eleição. E houve uma divisão entre eles – inclusive dentro dos grupos militar e político ligados a Bolsonaro.
Parte dessas fontes dizem que, se Bolsonaro perder a disputa, ele vai pedir uma auditoria da eleição – o que é uma solução dentro da legalidade institucional, já que isso é permitido pela legislação. Segundo eles, se a auditoria não encontrar nada de irregular, o presidente entregará o poder ao seu sucessor. Outros, porém, não descartam a possibilidade de ruptura institucional se nada for aceito pelo TSE e, principalmente, se houver distúrbios sociais em função do resultado das eleições.
O discurso do governo e de aliados mais próximos de Bolsonaro, em defesa das sugestões das Forças Armadas, é que o pleno exercício da democracia depende de eleições seguras e transparentes.
O assunto foi discutido por Bolsonaro com ministros em reunião realizada na terça-feira (5) para alinhar a estratégia de defesa de seu governo. Segundo um interlocutor do governo, Bolsonaro disse que ele poderia perder uma eleição em uma democracia, mas o Brasil não pode perder a democracia em uma eleição.
O advogado-geral da União, Bruno Bianco, defendeu essa discussão. Ele teria comentado que o objetivo de todos deveria ser trabalhar por eleições limpas e transparentes e que “as eleições não são do TSE, são dos brasileiros”.
O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, também fez o uso da palavra e endossou os discursos. Disse que não há um único sistema eletrônico imune a fraudes no mundo e lamentou que, até o momento, o TSE não atendeu o pedido para uma reunião exclusiva entre os técnicos das Forças Armadas e o do tribunal.
Na quinta-feira (07), em live realizada na internet, Bolsonaro falou publicamente sobre o assunto. E disse que vai se reunir na semana que vem com embaixadores estrangeiros para apresentar seus questionamentos em relação à votação eletrônica. Trata-se de uma reação à reunião que o presidente do TSE, Edson Fachin, teve com embaixadores para dizer que o sistema eleitoral brasileiro é seguro.
Questionamento legal ao TSE ou ruptura institucional?
Dentro do governo, a percepção é que os ministros do TSE não vão acatar as propostas das Forças Armadas e incorporá-las nas eleições deste ano – o que vai levar Bolsonaro a manter seus questionamentos sobre as urnas eletrônicas.
Mas parte dos interlocutores do Planalto rechaça a hipótese de ruptura institucional em caso de derrota de Bolsonaro. Dizem que isso não conta com apoio da base política nem das Forças Armadas. Durante a apuração da reportagem, alguns citaram a declaração do comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, de que os militares irão “prestar continência” a quem quer que seja eleito.
Nesse caso, Bolsonaro só iria pedir uma auditoria das urnas. Uma dessas fontes relata que o presidente pode pedir a realização de uma auditoria até mesmo se for reeleito. Seria uma forma de verificar se teve mais votos, como argumenta que ocorreu na eleição de 2018. Segundo uma fonte da campanha, devem ser contratadas uma ou duas empresas para fazer a auditoria.
A ideia de uma auditoria das eleições inclusive já foi defendida publicamente pelo ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, durante recente audiência pública da Câmara. Ele fez menção sobre a atuação das Forças Armadas em todas as etapas de fiscalização das eleições, incluindo a possibilidade de uma auditoria. “São oito etapas de processo até o dia da eleição. Aliás, tem fases depois da eleição, com talvez uma auditoria posterior”, disse.
“Estamos com plano de ação para cada uma dessas oito fases para que, na hora da fase propriamente dita, por exemplo, a lacração do sistema, estarmos presentes para perguntar, verificar, questionar os procedimentos, propor alguma coisa, por exemplo, um teste de integridade naquele momento da lacração”, afirmou Nogueira. Uma resolução do TSE editada em dezembro de 2021 prevê as Forças Armadas como uma das entidades fiscalizadoras do processo eleitoral.
Sobre as sugestões apresentadas pelas Forças Armadas ao TSE, o ministro da Defesa afirmou que a decisão final caberá à Corte. “O que a gente espera e o povo brasileiro todo espera, depois de tanta discussão, de tanto debate, de dúvidas, de acertos e de erros, talvez, é que nós possamos ter um processo eleitoral garantido pela transparência, pela segurança e pelas melhores condições de auditoria”, disse Nogueira.
Apesar da alternativa de contestar o sistema eleitoral dentro da legalidade, por meio de auditoria, há aliados do presidente ouvidos pela reportagem que não descartam a hipótese de ruptura institucional se Bolsonaro perder a eleição.
Uma fonte militar diz que, nas Forças Armadas, existe a percepção de que o cenário pode se tornar imprevisível no caso de derrota de Bolsonaro. Segundo esse interlocutor, como a tendência do TSE é não acatar as sugestões das Forças Armadas, “o problema está contratado”.
Segundo ele, o problema não é dar credibilidade internacional às eleições brasileiras (como busca o TSE), e sim dar credibilidade interna. Ou seja, a parcela dos eleitores que desconfia das urnas é que tem de passar a acreditar. Essa fonte militar tampouco acredita que a auditoria possa resolver isso. Ele diz ainda que, no comando das Forças Armadas, existe a preocupação de distúrbios em caso de derrota de Bolsonaro.
Outro entrevistado pela Gazeta do Povo, do núcleo político, diz que essa situação pode levar a uma interpretação do artigo 142 da Constituição para que as Forças Armadas ajam como um “Poder Moderador” para pacificar o país. Essa interpretação tem sido defendida por parte dos apoiadores de Bolsonaro, embora juristas digam que a Constituição em nenhum momento atribua aos militares o papel de Poder Moderador.
A suposta ameaça de ruptura institucional tem feito ministros do TSE elevarem o tom em discursos, com declarações que são entendidas no meio político como indiretas a Bolsonaro. O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, disse na quarta-feira (6), nos Estados Unidos, que a Justiça Eleitoral vai empossar quem se eleger pelo atual sistema de votação.
“Do dia seguinte das eleições até o dia 19 de dezembro, a tarefa da Justiça Eleitoral é empossar os eleitos. E nós iremos fazer isso. Essa é nossa missão e, evidentemente, não há o que vai nos tirar dessa missão. Para que nos tire dessa missão será necessário que, eventualmente, não estejamos lá. Porque se lá estivermos, nós iremos diplomar os eleitos. Esta é uma missão constitucional, da qual a Justiça Eleitoral não vai se apartar”, disse Fachin.
O mesmo discurso tem sido encampado pelo ministro Alexandre de Moraes, próximo presidente do TSE. Em evento jurídico em Lisboa (Portugal), ocorrido em junho, Moraes assegurou que todos os eleitos pelo sistema eleitoral serão empossados, mesmo com possível “gritaria dos descontentes”.
As suspeitas do governo e os argumentos para aprimorar a votação
Dentro do governo e entre aliados de Bolsonaro, há uma desconfiança sobre um suposto favorecimento ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições. As suspeitas vão desde o que é considerado no Planalto e na base como uma resistência do TSE em acolher sugestões para aperfeiçoar o sistema de votação eletrônica até à possibilidade de fraude das urnas.
“Me surpreende que pessoas ficam abismadas com a possibilidade de um golpe, mas não ficam com a possibilidade de fraude [nas eleições]”, diz um interlocutor do governo, que rechaça a hipótese de uma ruptura institucional provocada por Bolsonaro em caso de derrota nas urnas.
A suspeita no governo e de parlamentares da base de que haveria um suposto favorecimento a Lula foi reforçada pelo anúncio de uma nova edição, a ser realizada em novembro, da Brazil Conference – encontro realizado periodicamente nos EUA para discutir o Brasil. Nesta edição, devem participar cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. E o anúncio da conferência indica que uma das palestras será “A economia do Brasil com o novo governo”.
Integrantes do governo e deputados da base ideológica de Bolsonaro interpretaram o tema da palestra como um suposto endosso de ministros do STF à tese de não reeleição de Bolsonaro. Para eles, isso coloca em xeque a transparência das eleições, já que parte dos integrantes do Supremo também ocupa cargos no TSE.
Publicamente, o governo e as Forças Armadas vêm argumentando que defender mais transparência das eleições é defender a democracia. O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, disse na quarta-feira (6) que a demanda por aprimoramentos do sistema eletrônico de votação é uma forma de defender a democracia. A declaração foi dada em audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados.
Em entrevista anterior ao jornal O Povo, o almirante disse que mais transparência eleitoral vai pacificar o país: “Não quero ver o meu povo brigando entre si por dúvidas [sobre o resultado de eleições]. Então, [quanto] mais transparência, quanto mais auditoria, melhor para o Brasil, porque nós teremos muito mais certeza do resultado e toda a vida nacional seguirá com mais calma”.
Como está a relação entre militares e o TSE
A relação entre as Forças Armadas e o TSE segue desgastada e até estagnada. Militares da ativa e da reserva com proximidade aos comandantes e ao ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, afirmam que a situação gera um clima de desconforto. Segundo fontes governistas, o convívio fica ainda pior após gestos e falas ditas por ministros, como o próprio presidente do TSE, Edson Fachin.
Em junho, Fachin recebeu embaixadores estrangeiros para falar sobre o calendário eleitoral, voto no exterior e urnas eletrônicas. No mesmo mês, ele rejeitou uma reunião privada com técnicos militares do Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber). E na quarta-feira (7), em Washington, nos Estados Unidos, disse que as Forças Armadas podem colaborar, mas não intervir nas eleições ao comentar sobre a colaboração na fiscalização da votação.
“Esse tipo de circunstância não aceitamos como jamais aceitaremos. Colaboração sim, intervenção jamais. Quem coordena o processo eleitoral é a autoridade civil”, declarou. Na mesma fala, Fachin disse que o Brasil pode ter evento mais grave que a invasão do Capitólio, em referência à invasão ao Congresso norte-americano por apoiadores do ex-presidente Donald Trump para impedir a diplomação do atual presidente Joe Biden.
As sinalizações de Fachin são criticadas nas Forças Armadas. Militares entendem que a proposta de reunião entre técnicos apresentada pelo Ministério da Defesa ao TSE não vai ocorrer e que várias propostas apresentadas pelas Forças Armadas não serão acolhidas a tempo das eleições. “As propostas não serão aceitas e vão ficar para ser discutidas apenas depois das eleições. Como todo sistema pode ser aprimorado, a resistência do TSE é algo que gera uma situação de desconforto”, diz um oficial militar próximo do general Paulo Sérgio Nogueira, ministro da Defesa.
A fonte afirma que Nogueira acha “estranho” a resistência de Fachin: “Ele diz ter feito a solicitação, critica a ausência de resposta do TSE até agora e diz ter sido colocado para ‘debaixo do tapete’.” “Há um sentimento de desconfiança na caserna de tentar conduzir tudo para o dia da eleição do jeito que está”, diz a fonte militar.
Em audiência pública da Câmara realizada nesta semana, Paulo Sérgio Nogueira negou preocupação sobre a possibilidade de atos como a invasão ao Capitólio após as eleições brasileiras. E sustentou que “nenhum sistema informatizado é totalmente inviolável”. Ele usou como exemplo os bancos, que “gastam milhões” com segurança cibernética.
O ministro defendeu as propostas apresentadas pelas Forças Armadas e disse que todas as sugestões foram feitas com a intenção de aperfeiçoar o sistema de votação. “Não me queiram convencer que não há sistema que não mereça aperfeiçoamento”, declarou. Ele reconheceu que algumas propostas foram aceitas, outras não, algumas foram acolhidas parcialmente e outras estão em estudo. Mas disse que aguarda o posicionamento do TSE para saber se algo ainda será acolhido.
“Nós estamos ainda nessa fase para ver se há tempo, por exemplo, de ainda colocar em prática algumas propostas das Forças Armadas visando essa segurança que estou me referindo”, disse o ministro da Defesa. O general também comentou sobre as expectativas em conseguir uma reunião com o TSE . “Não tenho tido êxito nessas reuniões técnicas para que até a gente possa entender melhor, nas palavras dos membros técnicos da minha equipe”, afirmou Nogueira.
Como a contestação das urnas se encaixa como na estratégia eleitoral
Parte dos aliados do governo dizem que, além da discussão sobre a possibilidade de fraude eleitoral, o questionamento das urnas eletrônicas também faz parte de uma estratégia eleitoral. Para alguns, esse assunto mantém o engajamento da base eleitoral mais ideológica, além de poder recuperar votos de conservadores atualmente dispostos a votar em branco ou nulo em meio à polarização com Lula.
Mas outros discordam. O entendimento é que Bolsonaro não deveria gastar energias nessa pauta por entender que ela não traz votos e até amplia sua rejeição. Apesar disso, eles reconhecem que o presidente não vai abrir mão de questionar a eficácia das urnas eletrônicas.