O que os números dizem sobre a situação da economia brasileira
O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre, divulgado na quinta-feira (1º), coroou uma onda de notícias positivas para a economia brasileira a cerca de um mês da eleição presidencial. O número veio melhor que o esperado – expressão que tem ficado mais comum no noticiário econômico – e leva economistas a revisar mais uma vez suas projeções para o ano.
Não é apenas o PIB que surpreende. Embora ainda estejam distantes de patamares confortáveis, os indicadores de emprego e inflação também estão melhores do que se previa até pouco tempo atrás. Em paralelo, a confiança de empresários e consumidores aumentou.
Pelo lado do crédito, há boas e más notícias: o volume de empréstimos está perto de níveis recordes, mas a inadimplência também avançou.
Veja a seguir como estão os principais números da economia brasileira.
Emprego avança rápido; renda sobe mais devagar
No mercado de trabalho, os indicadores de ocupação avançam desde 2021 e, neste ano, têm superado as expectativas mais otimistas. O rendimento dos trabalhadores também melhorou nos últimos meses, mas não na mesma medida, e ainda está em níveis similares aos de dez anos atrás.
Divulgada na quarta-feira (31), a Pnad Contínua, do IBGE, mostrou que a taxa de desemprego continua em queda livre. Chegou a 9,1% no trimestre encerrado em julho, 5,8 pontos porcentuais abaixo do pico de 14,9% atingido no primeiro trimestre de 2021. O índice mais recente é o menor desde o último trimestre de 2015.
O quadro atual é o oposto do esperado pelo mercado no começo do ano. Na época, bancos e consultorias acreditavam que o desemprego – que encerrou 2021 em 11,1% – aumentaria em 2022, chegando a 11,8% em dezembro, segundo a mediana das expectativas coletadas pelo relatório Focus, do Banco Central. No boletim mais recente, publicado na segunda-feira (29), o prognóstico era outro, com o ponto médio das apostas em 8,9%, quase 3 pontos porcentuais abaixo do verificado em janeiro.
Segundo o IBGE, o número de pessoas ocupadas atingiu o recorde de 98,7 milhões em julho. Isso significa que 57% da população em idade produtiva está trabalhando, a maior proporção desde o fim de 2015.
Em paralelo, a população subutilizada caiu pela quinta vez consecutiva, passando do pico histórico de 33,7 milhões de pessoas no trimestre encerrado em abril para 24,3 milhões em julho – menor número absoluto desde outubro de 2016. A taxa de subutilização, de 20,9% da força de trabalho, é a menor desde junho de 2016.
Os registros do mercado formal também são positivos, ainda que o preenchimento de vagas já não tenha a mesma velocidade de 2021. De janeiro a julho, o país criou 1,561 milhão de empregos com carteira assinada, 12,6% menos que no mesmo intervalo do ano passado (1,785 milhão), segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
Apesar dessa desaceleração, o saldo dos sete primeiros meses de 2022 é superior ao registrado no mesmo período de todos os anos entre 2012 e 2020. Além disso, o total de empregados com carteira chegou ao recorde de 42,2 milhões em julho. Até então, o maior número nessa época do ano havia sido registrado em 2014 (41,4 milhões).
O que não vai tão bem é a renda. Segundo a Pnad Contínua, o rendimento médio dos ocupados foi de R$ 2.693 por mês no trimestre encerrado em julho. Foi a terceira alta consecutiva, mas ainda insuficiente para recompor perdas anteriores.
O valor é 2,9% inferior ao de um ano antes (R$ 2.773, em valores atualizados) e idêntico ao que era pago (também em valores corrigidos) no trimestre encerrado em agosto de 2012. No melhor momento da série histórica da Pnad Contínua, o ganho médio dos trabalhadores passou de R$ 3 mil por mês, em valores atualizados, entre os meses de maio e setembro de 2020. A boa notícia é que as perdas salariais estão diminuindo mês a mês. Nos últimos meses de 2021, a queda dos salários ao longo de 12 meses chegou a passar de 11%.
O cenário é semelhante no Caged, que registra os empregos com carteira. Após duas altas seguidas, o salário médio de contratação chegou a R$ 1.926,54 em julho, 2,8% abaixo – em termos reais – do registrado um ano antes. No fim do ano passado, a perda anual passava de 6%.
A combinação entre o avanço expressivo no número de empregados e a melhora mais contida nos salários fez a massa de rendimentos – a soma dos valores recebidos por todos os trabalhadores – crescer pelo quinto mês seguido.
No trimestre encerrado em julho, a massa foi de R$ 260,9 bilhões, 6% a mais que no mesmo período de 2021, já descontada a inflação. Trata-se do maior valor desde o primeiro trimestre de 2020.
Inflação cai, mas não para todos
O IPCA caiu 0,68% em julho, na maior deflação mensal da série histórica iniciada em 1980, e provavelmente voltou a recuar em agosto. Sinal disso é que o IPCA-15, prévia do índice “cheio”, baixou 0,73% no mês. Com isso, a inflação acumulada em 12 meses, que passou de 12% no primeiro semestre, retrocedeu para 9,6% na medição mais recente.
Setembro começou com a notícia de nova queda no preço da gasolina nas refinarias da Petrobras, que entrou em vigor na última sexta-feira (2) e em alguns dias deve ser notada nos postos.
Segundo o ponto médio das expectativas de bancos e consultorias, o índice de preços deve fechar o ano em 6,7%. Se confirmado, o número ficará acima da meta perseguida pelo Banco Central em 2022, cujo teto é de 5%, mas um tanto abaixo do índice de 2021 (10,16%) e do que era projetado até bem pouco tempo atrás.
Nos primeiros dias de janeiro, o mercado previa um IPCA de pouco mais de 5% ao fim de 2022, mas as apostas foram reajustadas quase sem trégua na primeira metade do ano, chegando ao pico de 8,9% no começo de junho.
A partir dali, leis articuladas por governo e Congresso reduziram tributos sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte público. E a Petrobras passou a baixar preços em suas refinarias, acompanhando as variações do câmbio e da cotação do petróleo no mercado internacional. Juntos, esses movimentos desencadearam uma série de revisões nas planilhas de bancos e consultorias.
Vale ressaltar que a baixa da inflação ainda está concentrada em poucos itens. O IPCA-15 de agosto indicou aumentos de preço em seis dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados pelo IBGE.
Como parte importante da deflação foi provocada pela gasolina, não foi tão notada por quem não tem carro. Para os mais pobres, o preço da comida pesa muito mais e segue inflacionado: o grupo de alimentos e bebidas ficou 14,71% mais caro em um ano pela medição do IPCA-15, o maior índice desde fevereiro de 2021.
Isso pode começar a mudar nos próximos meses. Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que, para além das desonerações de impostos, outros fatores devem auxiliar o país no combate à inflação: a queda de preço de commodities no mercado internacional, a desaceleração da economia global e a expectativa de uma boa safra de grãos no Brasil.
Em sentido oposto, a liberação de dinheiro público para estimular o consumo – com aumento de R$ 200 no Auxílio Brasil, duplicação do vale-gás e vouchers mensais de R$ 1 mil para taxistas e caminhoneiros autônomos – pode pressionar os preços, em especial de serviços.
De todo modo, o mercado confia que a inflação seguirá desacelerando no próximo ano. Neste momento, a mediana das expectativas aponta para um IPCA de 5,3% ao fim de 2023.
PIB surpreende e mercado revê projeções
Número mais representativo da economia, o PIB cresceu 1,2% no segundo trimestre em relação ao primeiro, puxado pela retomada mais intensa das atividades presenciais e medidas do governo, como a liberação de saques do FGTS e a antecipação do 13º de aposentados e pensionistas. Segundo o IBGE, os três grandes setores avançaram: o PIB da indústria aumentou 2,2%, o dos serviços (incluído o comércio) subiu 1,3% e o da agropecuária, 0,5%.
O desempenho do Brasil entre abril e junho foi o quinto melhor em uma amostra de 24 países que reúne as maiores economias do mundo e os integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em alta há quatro trimestres consecutivos, a geração de riquezas atingiu o segundo maior patamar da história, apenas 0,3% abaixo do pico do primeiro trimestre de 2014, o que levou o governo a afirmar que o país caminha para finalmente superar os impactos de duas crises, a da pandemia e a da recessão de 2014 a 2016.
Uma vez que ficou acima da maioria das expectativas (a mediana das projeções coletadas pela agência Bloomberg apontava para crescimento de 0,9%), o resultado do segundo trimestre levou bancos e consultorias a reavaliar suas projeções para o ano todo.
No último boletim Focus, anterior à divulgação do PIB, o ponto médio das expectativas apontava para um crescimento econômico de 2,1% em 2022. A tendência é de que esse número aumente nas próximas divulgações.
A corretora XP, por exemplo, pôs “viés de alta” em sua estimativa para este ano, que já era de 2,2%, e também na de 2023, atualmente em 0,5%, “a despeito da política monetária em território amplamente contracionista e o enfraquecimento da economia global”.
O comportamento do mercado em relação às projeções vem confirmando o que o ministro da Economia, Paulo Guedes, previu em fevereiro. Na época, quando a mediana do boletim Focus indicava expansão de apenas 0,3% no PIB de 2022, Guedes afirmou que os economistas passariam o ano revendo o número para cima.
“O que era uma previsão otimista para o ano inteiro, que era crescer 2%, já foi superado em seis meses”, disse o ministro na última quinta. Além de repetir que o país “está condenado a crescer”, Guedes afirmou que as expectativas do mercado para 2023 – hoje em apenas 0,37%, segundo a mediana do Focus – são “claramente pessimistas” e também vão subir.
Segundo ele, a queda da inflação abrirá espaço para o Banco Central reduzir os juros e “o vento monetário vai ser a favor”. O ministro ressaltou que neste ano a economia está avançando mesmo com o “freio de mão puxado” representado pela alta da Selic.
Considerando o carregamento estatístico herdado do primeiro semestre, o governo calcula que a economia pode crescer 2,4% neste ano, mesmo que o PIB permaneça nos níveis atuais e tenha variação zero na segunda metade do ano. Alguns economistas já falam em alta de 2,6% graças à herança do período janeiro-junho.
As perspectivas para o segundo semestre ainda são motivo de discussão. Parte dos especialistas vê chance de “acomodação”, com a economia refletindo efeitos defasados do aumento da taxa básica de juros (Selic).
De outro lado, há quem avalie que o consumo das famílias ganhou novo fôlego com o aumento dos desembolsos do governo, que em agosto reajustou benefícios sociais como o Auxílio Brasil e o vale-gás e passou a pagar auxílios a caminhoneiros e taxistas.
Confiança de consumidores e empresários aumenta
Um indicador que pode ajudar nos prognósticos é o da confiança. Apurado em sondagens com consumidores e empresários, ele dá pistas sobre a disposição de comprar e investir.
O Índice de Confiança do Consumidor medido pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) avançou 4,1 pontos em agosto, para 83,6 pontos, e pela primeira vez alcançou o nível observado antes do início da pandemia, embora ainda esteja distante do patamar de “neutralidade” (100 pontos).
“Existe uma visão mais favorável sobre o ambiente econômico no curto prazo, que pode estar sendo influenciado pela melhora do mercado de trabalho e desaceleração da inflação. Isso contribui para o aumento do ímpeto de compras, que ocorre de forma mais intensa para as classes de renda mais altas”, disse, em comunicado, a coordenadora das sondagens do Ibre/FGV, Viviane Seda Bittencourt.
O Índice de Confiança Empresarial, enquanto isso, subiu 2,2 pontos e chegou a 100,7 pontos em agosto, retornando ao campo do “otimismo”. É o maior nível em um ano.
“Pela primeira vez desde o início da pandemia, o nível da confiança dos quatro grandes setores acompanhados [indústria, comércio, serviços e construção] se aproxima, sinalizando uma saudável normalização das atividades após uma crise que afetou de forma bastante heterogênea os diferentes segmentos econômicos”, afirmou, em nota, o superintendente de estatísticas do Ibre/FGV, Aloisio Campelo Jr.
Crédito aumenta, inadimplência também
Dados do Banco Central revelam que o volume de empréstimos está próximo dos maiores níveis da história. Em junho, a carteira de crédito total correspondia a 53,89% do PIB, ligeiramente abaixo do pico de 53,96% atingindo em março.
Considerando-se apenas pessoas físicas, a soma de todos os financiamentos chegou a 31,71% do PIB em junho, o maior patamar da série histórica.
Esses números são, à primeira vista, positivos: crédito em alta significa mais consumo e investimento. A questão é que há dúvidas sobre a capacidade dos brasileiros de arcar com essas dívidas em meio a inflação e juros elevados, o que pode levar a dificuldades mais adiante.
De acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), um em cada quatro brasileiros tem dificuldade em pagar as contas em dia.
Segundo a Serasa Experian, 67,6 milhões de pessoas estavam inadimplentes no país em julho, o maior número da série histórica iniciada em 2016. Bancos e varejistas reportam aumento do calote – no varejo, as provisões para clientes duvidosos aumentaram mais de 40% em um ano.
Referência: https://www.gazetadopovo.com.br/economia/situacao-da-economia-brasileira-pib-inflacao-emprego-renda/