Dissidentes do PDT criticam Ciro Gomes e pedem voto útil em Lula

Um grupo de dissidentes do PDT vai lançar um manifesto, na próxima quarta-feira (21), com críticas à campanha de Ciro Gomes à Presidência e apoio ao chamado “voto útil” em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno da eleição. Eles se declaram “brizolistas”, uma referência ao principal fundador e ex-presidente da sigla, já falecido, Leonel Brizola.

O documento a que a Gazeta do Povo teve acesso é assinado por 17 ex-integrantes e ainda correligionários do partido, entre eles fundadores do PDT, candidatos recentes e vereadores membros da legenda. Há outros signatários ao manifesto que preferiram manter o anonimato neste momento, segundo os organizadores.

O grupo afirma que o discurso de Ciro sofreu uma transformação profunda entre o que defendia entre 2016 e 2018 – como o apoio com “críticas pontuais” a Lula e Dilma Rousseff (PT) – e o que passou a apresentar na campanha deste ano. Leia o manifesto completo aqui.

Gabriel Cassiano, um dos organizadores do manifesto e membro da ala jovem do PDT até o começo de 2021, diz que Ciro mudou o discurso por uma “conveniência eleitoral”, que criou uma dubiedade do que apresentava anteriormente. Para ele, o tom adotado pelo candidato hoje não condiz com o que afirmava em 2016, com críticas mais programáticas, inclusive à operação Lava Jato.

“Ele [Ciro] foi ganhando espaço no campo progressista como um ‘oásis de razão’, fazendo uma crítica construtiva e prudente ao petismo e ao ex-presidente Lula, mas com uma defesa incansável do Estado Democrático de Direito. Ele se colocava irredutível contra a prisão do ex-presidente e, agora, como uma conveniência eleitoral, zomba disso. Queremos escancarar essa dubiedade do Ciro, ele passou dos limites, não pode usar o partido do Brizola para esse tipo de atitude”, disse.

No manifesto, os integrantes da ala brizolista afirmam que Ciro defendeu “atitudes heroicas, como levar o ex-presidente a uma embaixada para solicitar asilo político”, em referência a um plano do então pré-candidato à Presidência em 2018 de “sequestrar” Lula e levá-lo a uma embaixada para pedir asilo político.

Entretanto, a mudança de discurso de Ciro Gomes teria ocorrido por uma estratégia de conquistar votos de eleitores possivelmente arrependidos de Lula e de Jair Bolsonaro (PL) – principalmente do candidato à reeleição, o que explicaria o discurso mais crítico ao petista.

Defesa do voto útil em Lula

O organizador do movimento diz que a mudança de postura já não é de agora, e que ele próprio, com outros brizolistas, tentou convencer Ciro Gomes a aceitar uma coligação com Lula, possivelmente saindo como vice na chapa em vez de Geraldo Alckmin. Isso, de acordo com ele, tornaria o pedetista o “sucessor natural” da Presidência.

“Não adianta contratar o marqueteiro que for. Ele não tem condição de disputar a Presidência agora, ninguém tem para superar a polarização. Ele poderia sair como vice ou super ministro no Ministério da Economia”, disse, emendando que Ciro preferiu seguir sozinho em campanha com um tom que ele considera “raivoso, de puro rancor”.

É por conta dessa dificuldade de superar a polarização que o grupo defende o voto útil à candidatura de Lula para se evitar um “mal maior no segundo turno, pior do que foi o segundo turno entre Dilma e Aécio [Neves, do PSDB, na eleição presidencial de 2014]. Queremos evitar isso”, disse Cassiano.

Desde o começo de setembro, Lula vem dando declarações que deseja vencer a eleição em primeiro turno, o que gerou críticas dos candidatos da terceira via, principalmente de Ciro Gomes. A última pesquisa Ipec indica que 52% dos eleitores do pedetista ainda podem mudar de voto.

A crise entre o presidenciável do PDT e o ex-presidente ficou mais clara a partir do debate da Band, no final de agosto, quando Lula tentou uma reaproximação mal sucedida com o ex-aliado, que foi ministro entre os anos de 2003 e 2006. E também no próprio estado dele, o Ceará, onde o partido de Ciro rachou com o PT local na disputa ao governo.

Dificuldade de apoio

Em entrevista à rádio CBN Recife na última quinta-feira (15), Ciro Gomes disse que esta pode ser a última eleição que concorre à Presidência, principalmente pela dificuldade de apoio – em referência à situação no reduto eleitoral dele.

“Se eu não ganho, também não tenho mais interesse, ou pelo menos vou procurar não ter mais. Não sei se vou conseguir, porque são 42 anos dedicados apaixonadamente ao povo brasileiro”, afirmou, após fazer críticas a todos os presidentes anteriores desde Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em especial a Lula.

A campanha do candidato foi procurada pela Gazeta do Povo, mas preferiu não comentar o manifesto. No entanto, questionou a legitimidade dos pedetistas ao afirmar que são “ex” membros do partido. O presidente do PDT, Carlos Lupi, também foi procurado, mas não se pronunciou até o fechamento da reportagem.

Já Juliana Brizola (PDT), neta do ex-presidente Leonel Brizola, contesta a ala brizolista do partido e segue em campanha apoiando Ciro Gomes, replicando críticas dele aos outros candidatos nas redes sociais.

Metodologia da pesquisa Ipec

O Ipec entrevistou 2.512 eleitores entre os dias 9 e 11 de setembro de 2022 em 158 municípios brasileiros. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. A pesquisa foi encomendada pela TV Globo e está registrada no TSE com o protocolo BR-01390/2022.

O que diz o manifesto

Veja abaixo, na íntegra, o que diz o manifesto
da ala brizolista do PDT e de ex-integrantes do partido, segundo Gabriel
Cassiano:

TRABALHISTAS PELA DEMOCRACIA: O VOTO NECESSÁRIO

Em 2016 um político tradicional cearense começou a ganhar a atenção de jovens entre 20 e 30 anos no país. Seja na imprensa ou nas universidades, denunciou com perspicácia e altivez o golpe em curso contra a presidenta Dilma Rousseff. Denunciou o conspirador Michel Temer, abrindo um caminho importante para alavancar um campo político próprio, uma corrente de pensamento que perseguiria um projeto nacional de desenvolvimento. Trata-se de um campo que iria repensar o nacional-desenvolvimentismo nos seus moldes clássicos, propondo ações que concebam o estado como indutor do desenvolvimento e uma importante ferramenta estratégica para a consolidação da soberania nacional.

Ao mesmo tempo, esse político tradicional de alta perspicácia intelectual conseguia atualizar o desenvolvimentismo para as condições do século XXI.

Por político tradicional entendemos aquele dirigente que há anos faz parte e possui peso no debate nacional. Foi governador, Ministro de Estado duas vezes. Para muitos de nós, seu discurso programático foi uma grande surpresa no cenário político nacional. Afinal, como não havíamos escutado Ciro Gomes antes?

Vindo do Brasil Profundo, do sertão do Ceará, Ciro reconhecia o legado dos governos democrático-populares de Lula e Dilma. O responsável pela transposição do Rio São Francisco reconhecia não somente essa obra que estava paralisada desde o período imperial, como também reconhecia que durante os governos petistas o poder de compra do trabalhador brasileiro ampliou significativamente, com um salário tão forte como durante o governo de João Goulart.

Ciro propunha entre 2016 e 2018 um sentido bem desenhado de desenvolvimento. A proposta era avançar ainda mais o legado desenvolvimentista gerado durante os governos petistas. Era uma crítica diplomática, de um aliado que fazia parte do mesmo campo. Saudável e equilibrada, sua posição chegava a animar até mesmo alguns militantes petistas.

Durante o ano de 2018, Ciro denunciou a obsessão persecutória de Sergio Moro contra Lula. Chegou até mesmo a defender atitudes heroicas, como levar o ex-presidente a uma embaixada para solicitar asilo político. Entretanto, por conta das divergências dentro do próprio campo da esquerda, não foi possível garantir a aliança eleitoral de Ciro e Lula.

A partir de então, Ciro começa a adotar um tom mais iracundo contra a base petista.

Não vamos gerar um desgaste ainda maior com a postura de Ciro, expondo por vezes seu vocabulário chulo nos vídeos e redes sociais. Não é essa nossa intenção. Porém, cabe lembrar que quem assume o tom “polarizador” no pior sentido do termo é o pedetista, que agora adota uma postura de ex-companheiro de trincheira.

O ano é 2022. Aquele Ciro que conseguia se manter numa sintonia fina com o campo progressista já não existe mais. Se em 2018 a grande maioria da militância trabalhista foi às ruas pedir votos para Fernando Haddad, atualmente vemos infelizmente alguns colegas dizerem que irão votar nulo em um eventual segundo turno. Há outros que pensam em apoiar até mesmo Bolsonaro. Mais do que indignação, ver o projeto nacional de desenvolvimento errar na sua composição tática e estratégica é motivo de muita tristeza e decepção.

Diante disso, nós que apoiamos Ciro entre 2016 e 2019 clamamos a aqueles que possuem a mesma visão a não vacilarem, apoiando a única candidatura capaz de derrotar o bolsonarismo já no primeiro turno. Não se trata de voto útil.

É uma necessidade histórica, algo que, mais uma vez, lamentamos ver Ciro Gomes, uma figura ímpar para pensar o desenho institucional do país, ser incapaz de enxergar essa quadra da história. Diante disso, convocamos militantes trabalhistas e dissidentes a apoiarem o ex-presidente Lula no primeiro turno.

Saudações fraternas e Brizolistas!

Veja quais são os signatários do documento que
se pronunciaram publicamente, de acordo com o organizador:

  1. André Luan Nunes Macedo: professor e doutor em História pela UFOP. Ex-diretor de formação da Fundação Leonel Brizola em Minas Gerais;
  2. Gabriel Cassiano: ex-integrante da ala jovem do PDT, estudante de economia e relações governamentais no Hub+;
  3. Túlio Gadêlha: ex-integrante do PDT, é advogado e deputado federal pela Rede Sustentabilidade;
  4. Luiz Marcelo: assessor parlamentar e chefe de gabinete de Tulio Gadelha;
  5. Pedro Tomaselli: ex-secretário de mobilização do PDT, artista visual e militante em prol da moradia popular;
  6. Luan Arantes: ex-presidente da Juventude Socialista PDT em Lavras (MG), estudante de Administração Pública e estagiário na ALMG;
  7. André Mazochi Barroso: ex-membro da Juventude Socialista PDT em Lavras (MG), agrônomo e mestre em entomologia;
  8. Reynaldo de Azevedo Gosmão: psicólogo e mestre em Letras;
  9. Vinícius Silveira: ex-membro da Juventude Socialista PDT em São Lourenço e estudante de sistemas de informação;
  10. Vinicius Dino: ex-secretário geral da Juventude Socialista PDT em São Paulo;
  11. Fernanda Moraes: ex-secretária geral do Juventude Socialista PDT em Lavras (MG);
  12. Felipe Julio: ex-secretário do movimento estudantil da Juventude Socialista PDT em Lavras (MG), engenheiro químico e ex-assessor especial de políticas públicas para a juventude na Prefeitura de Sertãozinho (SP);
  13. Jr Felletti: ex-dirigente do PDT São Lourenço, da Juventude Socialista PDT e da Fundação Leonel Brizola em Minas Gerais, e bacharel em administração pública pela Universidade Federal de Lavras (MG);
  14. Nice Couto: ex-presidenta do Movimento Comunitário Trabalhista (MCT) do Estado de São Paulo do PDT;
  15. Betinho da Rs: vereador do PDT na cidade de Bayeux (PB);
  16. José Maria dos Santos Jr.: ex-vereador do PDT em Campo Belo (MG), economista e mestre em direito;
  17. Jairo Moura Jr.: um dos fundadores do PDT-SP, membro do diretório nacional do PDT e indicado para compor o comitê pelas Diretas Já.

Referência: https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/dissidentes-pdt-criticam-ciro-gomes-pedem-voto-util-lula/

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