Como Lula e Bolsonaro trabalham a agenda internacional
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu na última terça-feira (26) com Francia Márquez, vice-presidente eleita da Colômbia. Dois dias depois, na quinta-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro criticou em inglês, nas redes sociais, o ator Leonardo di Caprio, que havia mencionado o avanço do desmatamento na Amazônia. Lula e Bolsonaro têm usado a temática internacional como mais uma forma de ganhar a simpatia do eleitorado brasileiro.
Tanto para um quanto para o outro, a reunião com líderes internacionais e o debate de temas que vão além das fronteiras do Brasil são feitos em conexão com tópicos por eles defendidos no plano nacional. O PT, por exemplo, divulgou a reunião com Francia Márquez como o resultado do interesse da colombiana nos “programas de inclusão social implementados pelos governos petistas”.
Já Bolsonaro, na condição de atual chefe de Estado do Brasil, tem privilegiado encontro com políticos com quem compartilha visões de mundo, como, por exemplo, representantes do conservadorismo.
No caso do candidato do PT, a meta é trabalhar políticas sociais progressistas, o legado dos governos de Lula e Dilma Rousseff e também enfatizar críticas à operação Lava Jato, que levou o ex-presidente à prisão entre 2018 e 2019. Quando ainda estava na cadeia, Lula recebeu diversas mensagens de solidariedade e até visitas de políticos internacionais, que foram exploradas pelo PT como exemplos de “reação internacional” à Lava Jato.
No fim do ano passado, o petista fez um giro pela Europa e chegou a ser aplaudido de pé quando discursou no Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica. Na fala, ele prometeu “construir uma economia justa, sem a destruição do meio ambiente e livre da exploração desumana da força de trabalho” e disse que Bolsonaro era uma “cópia mal-feita” do ex-presidente americano Donald Trump. Ele também mencionou que o Supremo Tribunal Federal (STF) havia considerado que o ex-juiz Sergio Moro, responsável pela sua reclusão, tinha sido parcial ao julgá-lo.
Mais recentemente, Lula recebeu no Brasil o alemão Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu, e recebeu o apoio do Grupo de Puebla, organização que agrupa movimentos de esquerda de diferentes países. O presidente da Argentina, Alberto Fernández, e o ex-presidente da Espanha José Luis Zapatero estiveram na solenidade.
A abordagem de Lula e do PT diante dos atos é a de enfatizar o contraste entre o ex-presidente e Bolsonaro, e também de indicar que a comunidade internacional estaria receosa em firmar acordos com o Brasil por caus do atual presidente. “O reconhecimento da inocência do presidente Lula permitiu que tenhamos uma alternativa no campo da defesa do povo desse país, das mulheres, dos negros, dos mais pobres, das classes médias, dos estudantes, do jovens e dos professores. Não deixaremos a Petrobras ser entregue às grandes empresas internacionais. Não permitiremos que continuem condenando 19 milhões de brasileiros à fome”, disse a ex-presidente Dilma durante o último encontro do Grupo de Puebla, em março.
Bolsonaro usa agenda internacional para se contrapor a Lula e a esquerda
Já o presidente Bolsonaro e seus aliados também utilizam a agenda internacional para se contrapor a Lula. O chefe do Executivo chegou a desmarcar um encontro no Brasil com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, após o líder europeu se reunir com o petista.
Bolsonaro tem feito reiteradas críticas a líderes de esquerda eleitos em países vizinhos, como Fernandez e Gabriel Boric, do Chile. O presidente deixou de comparecer à cúpula do Mercosul, realizada no último dia 21 em Assunção, mas disse que “o Paraguai é um dos poucos países da América do Sul que ainda não é vermelho, e eu tenho uma consideração muito grande pelo Marito”, em referência a Mario Benitez, presidente do país vizinho.
A Hungria, comandada pelo primeiro-ministro Viktor Orbán, é outra referência: a presidente do país Katalin Novák veio ao Brasil em junho e foi recebida por Bolsonaro no Palácio do Planalto.
O filho “03” de Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), é atuante na temática internacional e participou recentemente do evento Student Action Summit, mobilização de grupos de direita nos EUA. “Hoje falei nos EUA sobre o cenário político do Brasil e os perigos de se flertar com o socialismo, além de atos autoritários recentes como a desmonetização de canais conservadores”, disse.
2018 mudou ótica da população sobre relações internacionais
O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, avalia que o tema das relações internacionais nas campanhas eleitorais brasileiras adquiriu nova dimensão após a disputa de 2018. Segundo ele, naquele ano o tópico passou a ser “nacionalizado” pelas candidaturas e, assim, entrou nas discussões da população comum.
“Isso tudo teve impacto na construção do discurso político de Bolsonaro. Quando ele, em 2018, falou sobre Cuba, Venezuela, Argentina, China e operações internacionais do BNDES, ele conseguiu popularizar um debate que via de regra é mais prejudicado”, colocou.
Bolsonaro e seus aliados costumam trazer à discussão a simpatia que setores do PT e da esquerda brasileira têm pelos regimes ditatoriais de Cuba e Venezuela. O presidente também enfatiza com frequência que o modelo da Argentina, liderada por Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, ampliou os problemas do país. A frase “vai pra Cuba” passou a fazer parte do vocabulário político do Brasil a partir da década passada, usada por militantes anti-PT.
Apesar de identificar a mudança do peso no enfoque de questões internacionais, Cortez acredita que o assunto não ganhou musculatura suficiente para reverter uma disputa eleitoral. “Não é um movimento que por si só vá promover grandes alterações [na eleição de outubro]”, expôs. Ele expande a abordagem para uma tentativa da chamada terceira via, com Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) ou André Janones (Avante), de explorar o assunto. “Não imagino isso como um canal que possa dar força à terceira via”, apontou.
Referência: https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/lula-bolsonaro-peso-da-agenda-internacional-nas-campanhas/