Base de comparação que governo eleito verá está muito baixa Por Investing.com
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Por Jessica Bahia Melo
Investing.com – A poucos dias da posse do novo governo eleito, a equipe do Investing.com Brasil promoveu uma série de entrevistas com economistas sobre as perspectivas para a economia brasileira em 2023. Para o economista André Perfeito, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria características políticas de maior habilidade para “disciplinar” a relação com o Congresso Nacional. O economista também avalia a indicação do futuro ministro da Fazenda Fernando Haddad (PT) como positiva e está mais otimista quanto ao crescimento econômico e tendência de baixa nas taxas de do que as projeções de consenso. Segundo Perfeito, o governo atual deixou uma “base de comparação muito baixa” para os próximos gestores.
Investing.com – Quais os principais desafios econômicos do próximo governo?
André Perfeito – O governo eleito para o ano que vem já está atuando há algum tempo, então isso quer dizer que aqueles famosos cem dias de lua-de-mel devem terminar em janeiro ou no Carnaval, pois muita coisa já foi feita. O governo eleito já está fazendo muita coisa devido a uma ausência do atual governo, houve um vácuo de poder e a gente sabe que poder não fica no vácuo.
Eu não estou pessimista com o ano que vem. Entre os motivos, está uma certa herança bendita. O Paulo Guedes sempre foi um economista ligado ao lado da oferta, ou seja, ele não age na macroeconomia, mas na microeconomia. E muita das coisas que ele fez e o governo fez estão ainda amadurecendo, vão amadurecer agora, ao longo dos próximos anos. Por exemplo, desde o governo digital, o Gov.br é uma inovação no estado brasileiro que vai melhorar a produtividade do estado como um todo. Uma série de reformas micro, aquelas agendas tipo BR do Mar, que lida com cabotagem, a questão do saneamento, tudo isso gera um impulso para 2023.
E por isso que eu falo “certa herança bendita”, porque a boa notícia é que está ruim. A base de comparação é muito baixa, então qualquer coisa que for feita já gera um impulso. Como exemplo, a situação das universidades aparentemente está caótica, segundo os reitores. Então, quer dizer que basta o governo federal voltar a comprar material de limpeza e itens muito básicos que há um aumento do gasto do estado, um impulso, de certa forma, na economia.
Outras situações ainda estão amadurecendo e vão continuar trazendo boas notícias. Estou me referindo particularmente à questão da reforma trabalhista, e não quer dizer que eu seja um fã da reforma trabalhista do jeito que foi feito. Não é isso não. Mas o ponto é que, uma vez estabelecida, e agindo em um primeiro momento, ela não gera crescimento econômico, isso é uma ilusão, na minha opinião. No entanto, ela tenta aumentar a margem de lucro do empresário para que ele invista depois, pois os ganhos não vão para o trabalhador em um primeiro momento. Mas, de fato, possibilita um aumento da quantidade de pessoas empregadas nessas outras formas, o que está gerando uma queda do , de um lado claro. Ainda tem muito ainda que cair, mas a massa salarial, ou seja, a quantidade de dinheiro na mesa que vai determinar o consumo no ano que vem, estará aumentando ao longo dos próximos meses.
Com esse movimento, acho que está equivocada a projeção do PIB do . Acho que deveríamos estar falando em 1,5%, 2%. Isso sem o Haddad mexer na caneta, se ele ficar quieto, já tem esses efeitos benignos.
Inv.com – O que achou da definição do novo Ministério da Fazenda, com Haddad frente à pasta?
Perfeito – Eu gostei muito do nome dele para o Ministério da Fazenda, por alguns motivos.
O primeiro deles é que, dentro dos petistas mais petistas, é alguém que realmente dialoga com o mercado de capitais e com outros mercados de forma mais sóbria. Cheguei a levar o Haddad, levei o [Gabriel] Galípolo, levei o Guilherme Mello para conversas na gestora onde trabalhava e todos eles se mostraram muito sensíveis às questões dos clientes, o que acho um ponto positivo. Além disso, ninguém aqui também é ingênuo e todo mundo sabe que o Haddad é o nome do Lula para 2026.
Isso aponta que talvez a estratégia seja mais cautelosa do que o mercado está imaginando. O Haddad deu uma entrevista ótima em que foi superclaro, bastante “friendly”, sem nenhum susto nem nada. Mas dado que eu acho que ele é o candidato para 2026, a estratégia para 2023 é ser o mais neutro possível. Ele não vai querer ficar reinventando a roda, gastando muito agora, nem nada disso. Nessa entrevista, ele falou que já havia conversado com Campos Neto, presidente do Banco Central, e o nosso trabalho é em conjunto, para construir as bases visando cair os juros no Brasil.
Acredito que ele deva achar melhor fazer um negócio mais comedido agora pra fazer algo mais expansionista depois. Por isso, cabe imaginar que não vai ser tão ruim que nem o mercado pensa.
No entanto, Haddad vai ter que tomar muito cuidado com dois problemas. Um tem a ver com o que é chamado de desenvolvimentismo, de forma geral. E outra que tem a ver com aquela história do Lula de colocar o pobre no orçamento. Tem formas de fazer isso.
Com o amadurecimento do Plano Real, o país construiu uma indústria de crédito privado no Brasil muito poderosa, muito extensa. O PT vai ter que tomar muito cuidado pra não cair na tentação de querer fazer o investimento por meio da força bruta. Se eles mexem na TLP do BNDES pra tentar dar dinheiro barato, eles vão desarticular um setor gigantesco do mercado de capitais que até segunda ordem está cumprindo o seu papel. Pra que desarticular isso? Meio receio é um desenvolvimentismo mais raso. ‘Deixa que eu sei fazer, eu vou lá e coloco o dinheiro, sei o que é melhor’. Eu tomaria muito cuidado com isso.
O primeiro risco seria, então, o uso do BNDES muito ativista e, nesse sentido, a escolha do Mercadante não poderia ter sido pior, tendo em vista os medos do mercado a respeito disso.
Em relação à questão do pobre no orçamento, tem formas de fazer isso. Aumentar o Bolsa Família, colocar R$ 150 por cada filho até seis anos? Tudo certo. Não vejo nada errado. É uma medida que em país que nem o nosso é necessária, ela gera efeitos multiplicadores importantíssimos. O problema é se eles tentarem fazer isso através de uma política muito agressiva de valorização do salário mínimo.
A inflação está alta já no Brasil. Isso se deve a fatores relacionados em parte com demanda, em parte, com oferta, com preço de commodity, setores específicos que estão pressionados. Se aumentar o custo de empresário, cai a margem de lucro, e ele não investe. Não quero dizer de forma alguma que não se deve colocar o pobre no orçamento, especialmente depois do que a gente passou, mas tentar isso via salário mínimo não me parece adequado.
Inv.com – Em um cenário de perspectiva de desaceleração global e políticas monetárias contracionistas mundo afora, o que espera para os juros no ano que vem?
Perfeito – Tem algumas discussões, são dois conjuntos de dúvidas. De um lado, uma discussão fiscal que francamente nem eu, nem você, nem o Lula sabe o que vai acontecer, não é muito claro para ninguém. A dívida pública brasileira já está muito alta em termos da dívida bruta. Então, a depender de como o governo eleito atuar, além de aumentar o volume da demanda do estado por poupança privada, ou seja, emitir títulos públicos para se financiar, os juros sobem na sequência por falta de perspectiva, há dúvidas a respeito de outras questões, basicamente sobre a Petrobras (BVMF:). Ninguém sabe a respeito do reestabelecimento do ICMS.
Mas, da mesma forma que eu acho que o mercado vai errar com o PIB muito baixo, acredito que o mercado vai errar com juros muito longos durante muito tempo.
De um lado, os juros no Brasil já estão extremamente elevados, não é pouca coisa. Ainda, antes o Banco Central estava lutando a guerra da inflação sozinho. Mas, ao longo desse ano e inclusive até ao longo do próximo ano, os outros bancos centrais vão ajudar. Se é verdade que tem alguma relação, taxa de juros com inflação, saberemos em breve. Isso pode construir um cenário mais favorável para uma desaceleração de preço.
A respeito da Petrobras, não sei o que o governo eleito vai fazer. Mas não vai subir o preço, esse é meu sentimento. O governo vai tentar descobrir outras fórmulas, outras articulações dentro da Petrobras para evitar isso. O que seria, não tenho a menor ideia. Imagina o Lula entrando e tendo que subir preço de gasolina, ele não vai deixar preços saírem do controle no que ele puder alterar, colocar a mão. Mas isso vai fazer cair o preço da Petrobras, por que ninguém vai querer investir nela? Acho que esse é um preço que o Lula estaria disposto a pagar.
Mais importante que tudo isso, os juros nos Estados Unidos devem continuar subindo, segundo algumas projeções. Quando parar de subir e a inflação estiver caindo para lá, eu já vi esse filme algumas vezes. Quando o sujeito não está vendido, ele está comprado. O mundo está um caos. Chega lá na frente e os juros não vão subir mais? Não está tão ruim. Começa a subir tudo novamente.
O real pode se apreciar. Não faz sentido o real não estar se apreciando mais. Por conta do quê? Por que o Brasil tem risco? Que risco assim exagerado? Tem uma discussão fiscal, mas o próximo governo nem entrou. Calma! Os medos dos mercados são derivados da parte fiscal, correto, ninguém sabe como vai funcionar, e dos choques, por exemplo, na gasolina em no ICMS.
Inv.com – No que acha que a transição errou e no que errou? Há entraves para a definição de políticas públicas com o Congresso eleito?
Perfeito – Eu acho que o Lula é um é uma pessoa muito hábil politicamente para disciplinar a relação com o Congresso. Não estou querendo dizer subjugar, mas disciplinar.
Orçamento secreto, o nome das emendas de relator, era o fim do mundo, dava um poder desproporcional para alguns parlamentares sobre todos os outros, era ruim para o próprio Congresso. O Lula vai conseguir administrar isso de maneira relativamente hábil. Eu acho que não vai ter dificuldades, entendo que o Lula é hábil ou sábio o suficiente pra tentar evitar comprar brigas muito intensas, desnecessárias.
Agora, ele não vai sair também em tudo que é briga ao mesmo tempo, ele vai ter que recriar ministérios. Eu acho que o mercado está exagerado, entre os temas, com as falas de que pode subir juro ano que vem, que eu não acho que vai acontecer.