Base de Bolsonaro racha após Moraes multar partidos da coligação
A base governista do presidente Jair Bolsonaro (PL) rachou após a decisão do ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que rejeitou o pedido do Partido Liberal para anular os votos do segundo turno e multar em R$ 22,9 milhões a coligação eleitoral, também composta por Republicanos e PP.
Até terça-feira (22), quando o PL formalizou sua contestação ao resultado da eleição presidencial, a análise era de que o grupo governista não racharia, a despeito de críticas e discordâncias de alguma parcela da base. Havia um entendimento de que o pedido de anulação de votos era uma manifestação exclusiva do partido de Bolsonaro.
Porém, a multa determinada por Moraes à coligação pegou o PP e o Republicanos de surpresa. Nesta quinta-feira (24), lideranças dos partidos se apressaram em dizer que não endossaram a representação do PL protocolada no TSE.
“Nós não autorizamos a ação”, esclarece o presidente em exercício do PP, deputado federal Cláudio Cajado (BA). “O presidente [nacional do PL] Valdemar [Costa Neto], como representante da coligação, entrou em nome da coligação, mas não tivemos nenhuma participação nesse processo, sequer fomos intimados ou citados. Como podemos ser penalizados?”, complementa.
Cajado sustenta que o recurso contra a multa e o bloqueio de recurso do fundo partidário está em elaboração e que os advogados do PP ingressam no TSE ainda nesta quinta. “Faltou a intimação dos partidos da coligação para se manifestarem. Os poderes do representante [da coligação] só valem até a eleição — as eleições já terminaram e o resultado foi admitido pelos presidentes dos partidos”, diz.
A ideia traçada por PP e Republicanos é ingressar com um recurso conjunto de ambos os partidos. O presidente nacional do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira (SP), confirmou à CNN não ter sido consultado por Valdemar. “Não tenho nada a ver com isso, [a legenda] só está ali por uma formalidade. Eu não fui consultado se era para entrar com essa ação ou não. E, se fosse, teria dito que não. Nós não comungamos dessa opinião”, afirma.
O recurso de PP e Republicanos deve pedir a impugnação do valor da multa atribuído a uma causa que “não tem valor econômico”. “O valor da causa aqui seria inestimável, quando a multa poderia ser fixada em 10 vezes o valor do salário-mínimo (art. 81, § 3º do CPC). Outra coisa seria que a ata de eleição do representante da coligação não pode ser um cheque em branco. E, por fim, deveria ser oportunizado o contraditório e a ampla defesa da nossa agremiação”, argumenta Cajado.
Qual é o impacto político do recurso do PP e do Republicanos ao TSE
Na prática, a decisão do PP e Republicanos em contestar no TSE a multa à coligação significa um racha na base governista. Bolsonaro e PL, agora, tendem a ficar isolados e ter menos apoio para contestar as eleições. Até mesmo internamente no Partido Liberal há quem discorde do pedido de anulação de votos.
O movimento de PP e Republicanos tem por objetivo preservar a força político-partidária de ambos. Os dois partidos vão apoiar a candidatura à reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que também articula o apoio de outros partidos que, ao longo da legislatura, compuseram a base governista na Casa, a exemplo de PSD, Patriota, PSC, MDB e PTB.
A fim de assegurar a reeleição, Lira também dialoga apoio com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros partidos de esquerda. Por isso que, a fim de evitar o isolamento e assegurar espaços na Câmara e um fortalecimento político nacional, PP e Republicanos não têm ambições em contestar as eleições. Segundo as legendas, a maioria de seus filiados, das bases às cúpulas, pregam o respeito ao resultado das eleições.
Outro motivo pelo qual PP e Republicanos são contrários ao questionamento do resultado eleitoral é a possibilidade de anulação dos votos não apenas do segundo turno, mas também do primeiro turno, como ponderou o ministro Alexandre de Moraes em despacho ainda na terça-feira (22).
O presidente do Republicanos admite que não dá para dissociar a disputa que Lula venceu no segundo turno dos candidatos eleitos no primeiro turno, inclusive os do partido. “Senão, nós teríamos que questionar a eleição do Tarcísio [governador eleito de São Paulo], a eleição do senador [eleito Hamilton] Mourão, a eleição da senadora [eleita] Damares [Alves], a eleição do nosso governador, que foi reeleito em primeiro turno lá em Tocantins, Wanderley Barbosa, e a eleição dos 41 deputados federais”, disse Pereira ao jornal O Estado de S. Paulo. “O resultado está aí, nós não apoiamos o candidato eleito, mas agora precisamos continuar trabalhando em prol do Brasil”, complementou.
O deputado federal Hiran Gonçalves (PP-RR), senador eleito por Roraima e vice-líder do governo no Congresso, diz que “decisão judicial, a gente não discute”, embora entenda como “exacerbada” a reação de Moraes. “A gente recorre quando não está satisfeito com a decisão, e espero que seja melhor modulada caso essa decisão siga para o pleno da nossa Suprema Corte”, disse.
O que resta à base de Bolsonaro após a decisão de Moraes
Com a fragmentação da base de Bolsonaro, a tendência é que apenas uma parcela de aliados do governo mantenha a contestação do resultado eleitoral, sobretudo os mais convictos e críticos a decisões do ministro Alexandre de Moraes. Para esses, a sentença abre a oportunidade para cobrar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar abusos cometidos pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Um requerimento pedindo a CPI com 181 assinaturas foi protocolada nesta quinta na Câmara dos Deputados.
O deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM), vice-líder do governo na Câmara, entende que o atual contexto favorece o clamor pela instalação da CPI. “Está evidente que, de todas as decisões do ministro Alexandre de Moraes, essa, de maneira parcial, é autoritária e ao arrepio de toda a nossa legislação. Precisamos tomar uma atitude. Não dá para nossa Constituição ser atingida e nossa democracia ser ferida e os parlamentares e o Congresso ficarem de braços cruzados”, critica.
O parlamentar entende que, na falta de sinalizações e disposição do Senado em “fazer a sua parte”, em referência à prerrogativa de ser a Casa legislativa que pode iniciar um processo de impeachment contra ministros do STF, a CPI é uma iniciativa válida. “O juiz precisa ter a isenção de receber todo o aparato do próprio Estado, da defesa do contraditório, para que a gente possa, com todas as informações, tomar a decisão mais justa e fazer justiça, e não ser um carrasco”, afirma Alberto Neto.
Uma parcela dos aliados entende que a multa aplicada à coligação e a inclusão de Valdemar Costa Neto ao chamado inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF) representa um constrangimento e um sinal de alerta não apenas ao PL, mas a todos os partidos. Por esse motivo, o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ), vice-líder do governo na Câmara, discorda dos posicionamentos de Republicanos e PP e entende que os presidentes desses partidos, bem como os do PSD, Gilberto Kassab, e MDB, Baleia Rossi, também deveriam se unir ao mandatário do PL, não abandoná-lo.
“Se eles não se unirem, nesse momento, com o mínimo de solidariedade ao Valdemar, acabou, porque a decisão de Moraes não é apenas punitiva no campo financeiro, é uma decisão que vai culminar em tirar o Valdemar da presidência do PL pelo simples fato de ter questionado [as urnas]. Ele ainda teve cuidado o tempo todo de dizer que ele não estava dizendo que tinha fraude. Como que o Moraes se comporta? Ele se comporta como aquele homem que não tem razão e vai para a porrada”, opina.
Otoni classifica como “um tiro no pé” a decisão de Moraes. “Eu acho que acabou qualquer possibilidade dele não ser alvo de impeachment. Porque ele está cego, movido pela sua sociopatia”, diz.
O deputado Hiran Gonçalves assinou a CPI para investigar abusos de autoridade e reconhece que, na Câmara, deputados veem com preocupação a falta de harmonia entre os poderes. Ele avalia que, caso a comissão de inquérito seja instalada, será uma “oportunidade de discutir amplamente a matéria”.
“Agora, acho que o que menos a gente deve fazer é jogar gasolina nesse incêndio. Por quê? O Brasil precisa encontrar um caminho. A gente precisa trabalhar para melhorar as condições do país. Eu acho que a gente vai ter a oportunidade de discutir isso na Câmara e inclusive no Senado, na próxima legislatura. As interveniências entre poderes serão muito discutidas. Para isso tudo existem remédios constitucionais”, pondera.