Autor de fake news, Janones defende radicalização para enfrentar a direita
O deputado federal André Janones (Avante-MG), principal cabo eleitoral da campanha de Lula (PT) nas redes sociais, tem recebido convites do exterior para falar sobre o método que empregou durante o período eleitoral em suas redes sociais contra a campanha de Jair Bolsonaro (PL).
O deputado participou, recentemente, de um documentário estrangeiro e deu entrevistas a veículos internacionais. Para os próximos meses, avalia convites para dar palestras no exterior e deve lançar um livro sobre o tema. A repercussão da figura do deputado, que integrará a equipe de transição do governo Lula no grupo de Comunicação Social, se deu pela atuação agressiva nas redes sociais, que passou a ser chamada de “janonismo cultural” – uso de fake news, linguagem sensacionalista e radicalização do debate para “combater o fascismo e a extrema-direita”.
O parlamentar defende que o controverso modus operandi
é uma “tática de guerra” e o “preço para salvar a democracia”.
Defesa do uso de notícias falsas para beneficiar Lula
Na maior parte das vezes de modo sensacionalista, com
palavras como “urgente” em caixa alta e tom de imediatismo, Janones publicou
informações falsas ou descontextualizadas repetidas vezes durante a campanha
eleitoral, sempre induzindo seus seguidores a compartilhar massivamente as
postagens. Apesar disso, em raras ocasiões o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou
a retirada das postagens do parlamentar por se tratarem de fake news.
No início de setembro, Janones defendeu enfaticamente o uso de fake news contra a campanha de Bolsonaro pela primeira vez. No Twitter, ele publicou: “ATENÇÃO URGENTE: Partido de Bolsonaro estaria por trás do pedido pra suspender a lei que aprovamos no congresso, garantindo o piso salarial da enfermagem. Se for confirmado é grave, muito grave!”. Em seguida, postou uma imagem com a inscrição: “Bolsonaro declara guerra contra a enfermagem”, com a legenda “Missão do dia: viralizem isso”.
Posteriormente, o próprio Janones confessou que a mensagem era falsa; a publicação, entretanto, já havia sido compartilhada mais de 5 mil vezes somente no Twitter antes de ser excluída por determinação da Justiça Eleitoral.
A ação foi alvo de críticas até mesmo de parte dos apoiadores
do candidato petista. Ao ser questionado por um influenciador sobre o uso da
desinformação como método, rebateu: “Então continua combatendo o fascismo com
flores”, emendando na postagem seguinte: “É pela democracia”.
Uma radicalização ainda maior veio após o resultado do primeiro turno. Em publicações diversas, o deputado fez acusações ou suposições, sem provas, de que Bolsonaro seria agressor de mulheres e praticante de canibalismo, reduziria o salário mínimo em eventual novo mandato, e que teria feito um “pacto” na maçonaria – esta última fake news teve com foco aumentar a rejeição do atual presidente pelo eleitorado cristão.
“A gente não sabe o que o Bolsonaro negociou lá na maçonaria
para eles apoiarem ele. Não estou dizendo que ele fez isso, mas eu não posso
garantir, por exemplo, que ele não negociou em nome dos próprios eleitores. Se
no pacto que ele fez não envolveu o nome dos próprios eleitores”, disse, em
vídeo publicado no início de outubro.
Dias depois, passou a especular que o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que foi alvo de impeachment por crime de responsabilidade e ficou famoso pela política de confisco de depósitos bancários, seria ministro do governo Bolsonaro em eventual reeleição. Nos dias seguintes, mesmo após reconhecer que a informação era falsa, Janones seguiu fazendo postagens com menções ao factoide que permanecem ativas nas redes sociais e com dezenas de milhares de compartilhamentos.
Assim como fez quando tentou cunhar em Bolsonaro o rótulo de pedófilo, o parlamentar afirmou em diferentes ocasiões que faria denúncias “explosivas” contra Bolsonaro, e divulgaria provas que atestariam as acusações – as provas, no entanto, nunca apareceram.
Dois dias antes das eleições, Janones prometeu uma “bomba” aos seus seguidores, que desestabilizaria a candidatura de Bolsonaro. Após centenas de milhares de comentários e compartilhamentos em postagens sobre a suposta denúncia, o parlamentar publicou uma foto em frente à Promotoria de São Sebastião (DF) do MP-DFT, com o texto: “Missão cumprida: depoimentos, gravações, testemunhas, e provas incontestes e IRREFUTÁVEIS!!”. Apesar do alvoroço, o Ministério Público negou o recebimento de qualquer documento por parte de Janones.
Discurso de ódio e caráter antidemocrático dos métodos
Durante a campanha, Janones sustentou diversas vezes que eventual vitória de Lula contra Bolsonaro significaria o “amor vencendo o ódio”. No entanto, dias após o resultado das urnas, em que Lula saiu vencedor, o deputado fez uma série de postagens nas redes socais em que se refere a eleitores que votaram em Bolsonaro como “raça maldita” a ser eliminada.
“Quem prega a ruptura institucional, o desprezo à ciência, o negacionismo, racismo, machismo, xenofobia e misoginia e atos antidemocráticos, e ainda desestimula a vacinação contribuindo com a morte de inocentes, é RAÇA MALDITA! E espero que nos livremos deles logo”, postou em 8 de novembro. “Está sentindo? O cheiro de paz? E olha que a gente só se livrou de meia dúzia deles por aqui! Imagina quando o país estiver livre de toda essa raça maldita!”, publicou dias antes.
Outras postagens com discurso de ódio, que haviam sido catalogadas pela reportagem, foram excluídas das redes socais de Janones nos últimos dias. Em entrevista à Folha de S. Paulo concedida em outubro, o parlamentar reconheceu que sua postura é danosa aos valores democráticos. “É indiscutivelmente prejudicial, prejudica muito a democracia (…), mas se esse é preço para salvá-la, eu estou disposto a pagar”, disse, alegando que em eventual reeleição, Bolsonaro instauraria “uma ditadura pela via democrática”.
Hoje ferrenho defensor de Lula, Janones já criticou corrupção do PT no passado
Eleito pela primeira vez à Câmara dos Deputados em 2018 após
ter viralizado vídeos em defesa da greve dos caminhoneiros, que ocorreu no
primeiro semestre daquele ano, André Janones manteve uma forte atuação na
internet durante o seu mandato – motivo que o levou a ser escolhido pela equipe
de Lula para alavancar a presença digital do petista e fazer frente a Bolsonaro
nas redes sociais.
No início desde ano, o deputado chegou a se lançar como
pré-candidato à Presidência da República e atraiu os holofotes para si por um
motivo inusitado: em entrevista à Globo News em abril, disse que o
presidente da Argentina era Emmanuel Macron, atual presidente da França.
Janones não soube dizer quem era, de fato, o presidente da Argentina e
justificou dizendo que o conhecimento das questões internacionais não é prioritário
para um presidente.
Apesar de ter se tornado um ferrenho defensor de Lula, durante o período em que figurou como pré-candidato chegou a dizer que o Partido dos Trabalhadores funcionava como uma “seita”. Em outra ocasião, comparou o partido a uma quadrilha ao comentar o chamado orçamento secreto.
“No governo Lula era uma roubalheira, e só a bandidagem do
PT tinha acesso a isso. Era pior. Hoje pelo menos a imprensa tem acesso, a
imprensa bate, o STF responde (…) Quando a quadrilha do PT estava no poder
não tinha isso”, declarou.
Apesar de ter desistido da pré-candidatura, a aliança com
Lula trouxe benefícios a Janones – em 2018, o deputado havia sido eleito à
Câmara com 178 mil votos; neste ano, em que aproveitou os holofotes da campanha
presidencial para divulgar sua candidatura, foi reeleito com 60 mil votos a
mais do que a eleição anterior.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria de André Janones e abriu espaço para o parlamentar comentar as informações expostas nesta matéria. Até o momento do fechamento da reportagem, entretanto, não houve retorno.