Quais fatores explicam o sucesso e desenvolvimento dos países
Em uma ponta, entre os melhores, países como Noruega, Nova Zelândia, Suíça, Finlândia e Irlanda. Na outra, no grupo dos piores, Sudão, Venezuela, Coreia do Norte, Afeganistão e a República Centro-Africana. Essa realidade, em linhas gerais, é a que se observa quando se comparam nações em diferentes rankings de qualidade de vida, liberdade econômica, corrupção e democracia. Ou seja, há uma correlação entre esses indicadores – uns influenciando os outros.
Em suma, o que os indicadores mostram é que, via de regra, países que estão bem em uma área também se saem bem nas demais, e vice-versa. As nações mais democráticas são também as com menores índices de corrupção. E as que dão mais liberdade econômica para seus empreendedores proporcionam maior qualidade de vida aos seus moradores.
A Gazeta do Povo comparou diferentes rankings de países e procurou especialistas para compreender a dinâmica de similaridade entre os indicadores. No geral, a análise é de que um desempenho “puxa” o outro. Ou seja, a democracia forte permite que os cidadãos fiscalizem o governo e combatam a corrupção, e a liberdade econômica estimula a produção e o desenvolvimento econômico. E tudo isso, somado, resulta na melhoria da qualidade de vida.
Os rankings usados pela Gazeta do Povo para a comparação entre países são: Democracy Index, da revista The Economist, que avalia a qualidade da democracia nos países; Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional, que apura como os países são qualificados de acordo com a presença de uma estrutura corrupta em suas instituições; o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, que analisa as condições para a economia nos países; e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), que qualifica os países de acordo com renda média, escolaridade e longevidade dos seus moradores.
Democracia leva a mais transparência e menos corrupção
O advogado Michael Mohallem, consultor sênior da Transparência Internacional, diz que uma consequência positiva da implantação de regimes democráticos é a geração de líderes comprometidos com a prestação de contas à população. “Democracias mais sólidas geram lideranças mais comprometidas”, diz. A democracia também leva a uma maior transparência na estrutura estatal. “E a transparência é um mecanismo de prevenção da corrupção”, acrescenta.
Segundo Mohallem, um elemento de destaque nos regimes democráticos é a presença de regras mais nítidas e compreensíveis para ascensão de pessoas burocracia estatal 0 ou seja, as normas que transformam servidores em gestores dos escalões que tomam decisões. Com regras mais claras, sabem-se os motivos que posicionam as pessoas em posições-chave, e a cobrança fica mais efetiva e de mais fácil execução.
O economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, diz que a democracia é capaz de “corrigir rumos” e de intermediar conflitos de interesse. “A democracia também deixa fértil o caminho para discussões e inovações”, diz Fraga. para ele, isso explica por que países democráticos tendem a ter mais desenvolvimento econômico.
O economista Marcos Mendes, professor do Insper, avalia que, quando não há democracia, “quem controla o poder acaba definindo políticas públicas em favor de um grupo restrito”. Isso, segundo ele, reduz a qualidade das políticas públicas, por limitá-las a determinados segmentos.
Segundo Mendes, essa situação foi nítida no Brasil durante a transição da ditadura militar (1964-1985) para o regime democrático. “Na hora em que o poder é decidido através do voto, os políticos começam a querer agradar aos mais pobres, e aí se tem políticas sociais, políticas de inclusão”, diz. Um exemplo destacado por ele é a universalização da saúde pública, possibilitada com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), criado com a Constituição de 1988.
Mendes avalia ainda que a liberdade econômica também é fruto da democracia. “Em um ambiente democrático, se tem mais liberdades de escolha”, diz. Mas, ressalva o economista, mesmo ambientes democráticos podem cercear a liberdade econômica. “Ela pode ser tolhida em uma democracia, se a economia estiver dominada por grupos de interesse”, diz.
Para Armínio Fraga, a liberdade na economia tem “ganhos que se espalham sem grandes custos” por toda a sociedade. E, segundo ele, o Brasil perdeu um pouco a possibilidade de se inserir entre os países mais bem-posicionados nesse indicador. “Por muito tempo, tivemos aqui a participação muito grande do Estado na economia. E o Estado não é um bom empresário. O Estado é importante em alguns aspectos. Mas, como empresário, é uma experiência fracassada.”
Pandemia de Covid-19 afetou liberdades
Os rankings da The Economist e da Heritage Foundation são consensuais em apontar que a pandemia de coronavírus prejudicou as liberdades e a qualidade de vida em escala global. O Democracy Index aponta que a pandemia “agravou tendências já existentes” de autoritarismo que se viam em diferentes países. O texto cita como exemplos de restrição à liberdade os “lockdowns” e a implantação do chamado passaporte sanitário, que restringe acessos a pessoas que não tomaram vacinas contra a Covid-19.
Já o relatório da Heritage Foundation, que afere a liberdade econômica, diz que um desafio para a sociedade global é o de não se contentar com o retorno do quadro existente antes da deflagração da pandemia. Segundo a fundação, é necessário um empenho extra, com mais esforços no sentido de incrementar a liberdade econômica, para se alcançar o grau de prosperidade anterior.
Países desenvolvidos que não tem democracia são exceção
Singapura é um país que costuma ficar bem-posicionado nos rankings de desenvolvimento econômico, social e de corrupção, mas se sai mal no de democracia. O país é o primeiro colocado na lista da Heritage Foundation sobre liberdade econômica; o quarto na lista da Transparência Internacional sobre percepção de corrupção; e tem o 11.º melhor IDH do mundo, segundo a ONU.
No entanto, quando o assunto é democracia, a situação é diferente. Singapura ocupa apenas a posição 66 na lista dos países mais democráticos, segundo a revista The Economist. O país tem um histórico de repressão a opositores, mantém pena de morte para determinados crimes e acumula denúncias de violação à liberdade de imprensa e de organização partidária. Além disso, seu governo também registra um histórico de medidas de restrição a liberdades individuais de seus cidadãos, como o controle do número de filhos, vigente no passado, e a proibição de relações homossexuais.
Outro exemplo em que liberdade econômica e democracia não caminharam juntas é o Chile durante o governo do ditador Augusto Pinochet, que comandou o país entre 1973 e 1990. Sua gestão foi marcada por prisão de opositores, com denúncias de tortura e mortes, mas também proporcionou crescimento econômico. Hoje, o Chile tem o melhor IDH da América Latina.
Para o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, os exemplos de Singapura e Chile mostram que “a correlação entre democracia, liberdade econômica, desenvolvimento e baixa corrupção nem sempre é plena”.
Michael Mohallem diz que ditaduras que conseguem entregar resultados sociais satisfatórios são “pontos fora da curva”. E ressalta que as ditaduras, justamente por inibir a presença de mecanismos de fiscalização, conseguem ocultar casos de corrupção, sugerindo um status melhor do que o que realmente ocorre. “A corrupção só é descoberta quando dá errado”, diz.
Castello Branco entatiza que “eventuais benefícios econômicos jamais devem ser obtidos à custa de prejuízos à democracia e de restrições às liberdades individuais”. A opinião é similar à do professor Marcos Mendes: “A liberdade democrática, de expressão, de ir e vir, tem um valor em si mesmo. Tem um valor intrínseco. Mesmo que uma democracia seja pior no sentido de gerar corrupção, de gerar crescimento econômico e outras coisas, ela tem seu valor intrínseco que é o da liberdade das pessoas. As pessoas querem ser livres, querem se expressar. Esse é um valor intrínseco da democracia e por isso ela é superior às ditaduras”.