Presidente da Funai oferece ajuda para servidor preso: “tem toda sustentação aqui”
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, é citado em um inquérito da Polícia Federal por interferir em uma investigação e “dar sustentação à ilegalidade”. A investigação apura o envolvimento de servidores do órgão em um esquema de arrendamento ilegal de terras indígenas no Mato Grosso para a criação de gado.
Em uma interceptação telefônica autorizada pela Justiça, realizada no dia 18 de fevereiro deste ano, Xavier conversa com o chefe da Funai no município de Ribeirão Cascalheira (MT), Jussielson Silva, após uma operação da PF na região. Na ligação, Silva demonstrava preocupação com as investigações e pedia ajuda ao presidente da Funai, que prometeu auxílio ao servidor. Os áudios foram divulgados nesta quinta-feira (25) pelo jornal O Globo.
“Eu vou dar ciência já do caso (investigado pela PF) ao
corregedor lá de Mato Grosso, ao corregedor nacional da Polícia Federal aqui e
já vou acionar nossa corregedoria pra atuar nisso aqui. Pode ficar tranquilo”,
diz Xavier, recebendo em seguida o agradecimento de Silva, que atualmente está
preso.
“Sim. Obrigado. Eu agradeço porque a gente está na ponta da
lança e o senhor é meu apoio de fogo. Se o senhor me proteger eu fico mais feliz
ainda”, diz o servidor, que recebe mais uma vez a promessa de ajuda do
presidente da Funai. “Pode ficar tranquilo aí que você tem toda a sustentação
aqui. Pode ficar sossegado”, enfatiza Xavier.
Em relatório sobre o caso, a Polícia Federal afirma que
Marcelo Xavier tem conhecimento das ilegalidades na região e que é possível que
esteja auxiliando os infratores. “Assim, é possível concluir que o
presidente do órgão, Marcelo, tem conhecimento do que está se passando, sendo
possível que esteja dando sustentação à ilegalidade ora investigada
(arrendamento em terra indígena)”.
No mesmo documento, a Polícia Federal aponta a disposição do presidente da Funai em interferir nas investigações. “Tal demonstração de autoridade permite inferir uma disposição por parte do presidente da Funai em interferir no trabalho investigativo da Polícia Federal”.
Funai diz que repudia notícias fantasiosas
Procurada pela reportagem da Gazeta do Povo, a Funai afirma que, desde 2018, busca uma solução para o impasse envolvendo a prática de arrendamento na Terra Indígena Maraiwatsede, localizada no Mato Grosso, em diálogo constante com o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal sobre o tema.
“Nesse sentido, cumpre destacar que o arrendamento de terras indígenas é vedado pela Constituição Federal de 1988 e que a Funai não coaduna com nenhuma conduta ilícita, tendo sua atuação pautada na legalidade, transparência, segurança jurídica, pacificação de conflitos e autonomia dos indígenas. Sendo assim, a Fundação vem trabalhando em um modelo de transição que permita superar o quadro ilegal existente na Terra Indígena Maraiwatsede, mediante reuniões com o MPF e acionando a Polícia Federal nas situações cabíveis”, diz o órgão.
A Funai afirma ainda que o próprio presidente do órgão encaminhou um relatório para a Polícia Federal destacando sua preocupação com as irregularidades apontadas na terra indígena. “Já o “Relatório de Levantamento de Dados do Território Marãiwatsédé”, de 28 de junho de 2021, elaborado pela Coordenação Regional da Funai em Ribeirão Cascalheira (MT), foi encaminhado pela Presidência da Funai ao Departamento de Polícia Federal, por meio do Ofício nº 1404/2021/PRES/FUNAI, de 17 de setembro de 2021, e, também ao procurador da República de Barra do Garças (MT), Everton Pereira Aguiar Araújo, por meio do Ofício nº 1478/2021/PRES/FUNAI, de 21 de outubro de 2021, o que demonstra a preocupação da Funai com a aparente situação de irregularidade naquela Terra Indígena, colaborando, assim, com as autoridades competentes no esclarecimento do caso. Não menos importante destacar que as ações da Funai aparentemente precederam qualquer denúncia usada como fato motivador para o desencadeamento da Operação Res Capta da Polícia Federal”, diz a Funai.
De acordo com o órgão, tal relatório indica, por exemplo, que a prática do arrendamento gerava concentração de renda por parte do Cacique Damião, com coação dos demais indígenas, impedindo inclusive que fosse realizada atividade de fiscalização pela Funai. “Foi constatado também que as lideranças indígenas de T.I. Marãiwatsédé possuem quantidade considerável de armamento ilegal de calibre permitido”, aponta o documento. “Causou estranheza, porém, que não se teve notícia de mandado de busca e apreensão à época para a apreensão deste potencial armamento”, aponta o comunicado.
“Cabe ressaltar que a Coordenação Regional em Ribeirão Cascalheira (MT) é Unidade Gestora, com autonomia para firmar contratos, realizar licitações e propor indicações para as nomeações. A fundação esclarece também que se mantém à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações e que o funcionário investigado foi exonerado do cargo em março de 2022.”
“Por fim, a fundação informa que repudia notícias
fantasiosas e mal-intencionadas, cuja deturpação de conteúdo e exploração
midiática expõe a honra objetiva e subjetiva de agentes públicos”, diz nota
encaminhada pela Funai. Na publicação do O
Globo, a defesa de Jussielson Silva afirmou que não iria se pronunciar
sobre os áudios.