Quem está por trás tentativas de barrar as candidaturas de Moro e Deltan
Alguns dos principais protagonistas da Lava Jato – o ex-juiz Sergio Moro, o ex-coordenador da força-tarefa Deltan Dallagnol e o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot – têm enfrentado uma bateria de ações na Justiça que, no limite, podem retirá-los das eleições. Isso ocorre desde eles indicaram, no ano passado, que poderiam disputar as eleições.
A mais recente investida veio do Tribunal de Contas da União (TCU), que no último dia 9 condenou Janot e Deltan a pagar R$ 2,8 milhões de ressarcimento aos cofres públicos em razão de despesas com passagens aéreas e diárias da operação. Os dois são filiados ao Podemos e querem se candidatar a deputado federal – Deltan pelo Paraná e Janot pelo Distrito Federal. Condenações no TCU são motivo de inelegibilidade, segundo a Lei da Ficha Limpa.
Contra o ex-juiz Sergio Moro, o ataque mais recente foi a bem-sucedida ação para impedir sua candidatura ao Senado por São Paulo. Ele havia transferido o domicílio eleitoral para tentar se candidatar a presidente no maior colégio eleitoral do país. Mas seu partido, o União Brasil, não aprovou o plano presidencial e ele decidiu disputar o Senado. Além disso, opositores de Moro acionaram o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) para cancelar sua transferência de domicílio eleitoral, alegando falta de vínculos com o estado. E obtiveram sucesso.
Moro então retornou ao Paraná, seu estado de origem, onde busca se eleger senador. Mas agora enfrenta um pedido no TRE do Paraná para que sua candidatura seja barrada porque ele não teria domicílio eleitoral no estado há pelo menos seis meses, conforme prevê a lei, para poder disputar a eleição.
Essas e outras ações mais antigas não têm força suficiente para torná-los inelegíveis de imediato. No caso de Deltan e Janot, por exemplo, basta um recurso ao próprio TCU para suspender a condenação e permitir o registro de candidatura. E o caso de Moro ainda será julgado pelo TRE-PR.
Deltan, Moro e Janot manifestam o desejo de entrar na política para tentar reverter, no Congresso, os retrocessos recentes no combate à corrupção, seja por decisões dos tribunais superiores que mudaram a jurisprudência sobre o tema, tornando-a mais leniente, seja por alterações na lei que dificultaram as investigações e punições.
Mas, afinal, quem está por trás das ações e decisões contra os três?
Os responsáveis pelas ações contra Deltan e Janot
O processo contra Deltan no TCU teve como origem uma representação assinada pelos senadores do PT Paulo Rocha (PA), Humberto Costa (PE), Jaques Wagner (BA), Jean Paul Prates (RN) e Rogério Carvalho (SE).
Para embasar a ação, eles se basearam num levantamento dos gastos realizada numa reportagem publicada pelo site Poder 360, em 2021. Os petistas argumentaram que houve gastos excessivos na concessão de diárias e passagens aéreas pagas a procuradores de outras cidades que participaram da Lava Jato em Curitiba – operação cujo coordenador foi Deltan. Janot, por sua vez, foi quem autorizou a constituição e prorrogação da força-tarefa. Ele era à época chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Também colaborou para a abertura da fiscalização do TCU uma representação do subprocurador de contas Lucas Rocha Furtado. Especialista em combate à corrupção, ele já elogiou a Lava Jato em várias oportunidades. Por outro lado, considera que a operação deveria ter funcionado de modo exemplar. “Não há dúvida de que a operação prestou grandes serviços ao Brasil. Isso é acima de qualquer questão. Inclusive observei isso na representação e reitero. É uma das mais importantes operações de combate à corrupção ocorridas em toda a história do mundo. Isso é um passaporte para irregularidades? Não”, disse, numa entrevista em 2020 ao site Conjur.
Na representação contra Deltan, ele apontou “forte suspeita de que o custo operacional da unidade da Lava jato em Curitiba foi exagerado, podendo ter incorrido em atos antieconômicos para o erário em ofensa aos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade”.
Apesar disso, durante o processo, a área técnica do TCU conclui que não houve irregularidades nas despesas da Lava Jato e o MP de Contas recomendou o arquivamento do processo. Com base nas alegações de defesa de Deltan e Janot, consideraram que as despesas foram regulares, pois possivelmente o gasto com outro modelo de investigação seria maior, e que a escolha dos procuradores foi baseada na competência para tocar a operação.
Mas os ministros do TCU entenderam de forma diferente e condenaram Deltan e Janot. Os ministros que os condenaram foram Bruno Dantas, Aroldo Cedraz, Antonio Anastasia e Augusto Nardes.
Bruno Dantas, relator do caso, é próximo do senador Renan Calheiros (MDB-AL), investigado em vários inquéritos da Lava Jato, a quem acompanhou no fim do ano passado durante um jantar em homenagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Aroldo Cedraz é pai do advogado Tiago Cedraz, que foi acusado na operação de fazer tráfico de influência no TCU em favor da construtora UTC – investigada pela Lava Jato. Em 2019, a denúncia contra os dois foi arquivada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello, da Segunda Turma Supremo Tribunal Federal (STF).
Ex-senador e ex-governador de Minas Gerais pelo PSDB, Antonio
Anastasia chegou a ser investigado na Lava Jato por suposto recebimento de vantagens
indevidas em 2010, mas as investigações foram arquivadas por falta de provas.
Augusto Nardes, por sua vez, foi investigado pela Operação
Zelotes, pela suspeita de receber, entre 2011 e 2012, junto com um sobrinho, R$
2,5 milhões para atuar a favor do grupo RBS junto ao Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (Carf) – tribunal de recursos da Receita Federal –, onde a
empresa tentava anular multa tributária de R$ 582,2 milhões. Em 2019, a pedido
da Procuradoria-Geral da República (PGR), Lewandowski arquivou o inquérito.
Todos eles referendaram, sem qualquer discussão, o voto de Bruno Dantas, que acusava Deltan e Janot de “patrimonialismo”, em razão dos gastos na Lava Jato. Dantas sugeriu ainda que os procuradores que investigaram o esquema de corrupção na Petrobras foram escolhidos por critérios pessoais para receber diárias e passagens. “Os beneficiários foram selecionados mediante critérios não impessoais, o que confirma o direcionamento de polpudas vantagens financeiras a pessoas ligadas por laços de afinidade meramente pessoal”, disse, no voto.
Antes do processo no TCU, Deltan já havia sido condenado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por danos morais contra Lula em razão da exibição, em 2016, de uma apresentação de Power Point em que ele aparecia no centro de uma organização criminosa. Deltan foi condenado a pagar indenização de R$ 75 mil pelos ministros Luís Felipe Salomão, Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Eles reverteram decisões da primeira e segunda instância da Justiça de São Paulo que haviam absolvido o ex-procurador.
Anteriormente, Deltan também havia sido alvo de vários processos disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A maioria deles, apresentada por parlamentares do PT, foi arquivada. Prosperaram apenas dois, frutos de acusações do ministro Dias Toffoli, do STF, e de Renan Calheiros. O primeiro levou o CNMP a punir Deltan com a pena de advertência, em razão de uma entrevista, em 2018, na qual disse que os ministros do STF formavam uma “panelinha” e mandavam uma mensagem “muito forte de leniência a favor da corrupção”.
No segundo processo, Deltan foi punido por causa de postagens no Twitter contra a eleição de Calheiros para a presidência do Senado, em 2019. O relator da primeira condenação foi Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, que foi secretário-geral do Senado quando Calheiros presidiu o Senado, em 2016. O relator do segundo processo foi Otávio Rodrigues Jr., ex-assessor de Toffoli no STF.
Os responsáveis pelas ações contra Moro
A ação que levou o TRE-SP a negar a Moro o domicílio eleitoral em São Paulo foi apresentada pelo diretório municipal do PT na capital paulista e pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP). Eles alegaram que Moro não tinha residência fixa em São Paulo, pois declarou como local de moradia um quarto de hotel, e também falta de vínculos afetivos, profissionais ou políticos com o estado.
A defesa do ex-juiz da Lava Jato contestou, juntando ao processo honrarias que ele recebeu do governo estadual e de prefeituras, bem como suas ações em favor do estado – como a transferência de lideranças do PCC de presídios estaduais para penitenciárias federais, em 2019, quando era ministro da Justiça.
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) admite a mudança de domicílio sem necessidade de demonstrações detalhadas. Mas não adiantou: em junho, os juízes do TRE-SP Maurício Fiorito, Marcio Kayatt e Marcelo Vieira, e o desembargador Silmar Fernandes, negaram a transferência de domicílio, por entenderem que as provas de vínculo com São Paulo eram insuficientes.
Antes disso, a empresária Roberta Moreira Luchsinger, ex-filiada ao PT, apresentou notícia-crime ao Ministério Público Eleitoral de São Paulo acusando Moro de fraude na transferência de domicílio eleitoral. Neta e herdeira do ex-banqueiro suíço Peter Paul Arnold Luchsinger, que morreu em 2017, Roberta Luchsinger já foi casada com ex-deputado federal e ex-delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz. Em 2018, ela se candidatou a deputada estadual pelo PT, mas não foi eleita.
O MP Eleitoral, porém, não entendeu haver fraude e recomendou que esse caso fosse arquivado. No último dia 4 de agosto, o TRE-SP arquivou a investigação sobre o pedido de transferência de Moro para São Paulo.
O juiz Marcio Kayatt, um dos que havia negado a transferência, reconheceu que a acusação de fraude eleitoral era descabida. “Não é porque indeferimos a transferência de domicílio que se justificasse o prosseguimento da ação penal. […] Não há nada que justifique o procedimento. Não se alegou o mínimo de fraude. Pedido [anterior] foi indeferido porque a corte entendeu que não foi preenchido o vínculo afetivo [de Moro com São Paulo]”, afirmou.
Ele também disse que não havia motivos para investigar a mulher de Moro, Rosângela, contra quem nem houve pedido para cancelar a transferência de domicílio eleitoral – ela deve ser candidatar a deputada federal por São Paulo. “Não posso deixar de reconhecer um viés político, já que ambos são candidatos. Não posso deixar de dizer que o próprio MP emitiu o parecer do trancamento”, disse Kayatt.
Após a volta de Moro ao Paraná para disputar as eleições, uma filiada do União Brasil tentou impugnar sua filiação ao partido, alegando que ele se inscreveu no diretório estadual da legenda em São Paulo, o que impediria sua candidatura pelo Paraná. A ação não teve nenhuma consequência.
No último dia 11, no entanto, um petista acionou o TRE do Paraná para impugnar o próprio registro de candidatura ao Senado. O candidato a deputado estadual Luiz do PT, de Foz do Iguaçu, alegou que, ao tentar se transferir para São Paulo em abril, e lá permanecer até o início de junho, Moro deixou de cumprir o requisito de domicílio eleitoral de pelo menos seis meses no Paraná para poder disputar a eleição no estado.
A defesa de Moro alega que a transferência para São Paulo não foi efetivada e, por isso, ele permaneceu com o domicílio no Paraná.