Como políticas públicas viabilizaram energia mais limpa no Brasil
Incentivos e regulações aplicados pelo governo brasileiro para as energias solar e eólica a partir do início dos anos 2000 são apontados como exemplo internacional em relatório do Consórcio de Economia da Inovação Energética e Transição de Sistemas (EEIST, na sigla em inglês), que reúne pesquisadores e professores de universidades do Reino Unido, União Europeia, China, Índia e Brasil.
Na avaliação do grupo, a geração a partir dessas duas fontes renováveis teve avanço e barateamento importantes no país graças a boas políticas estatais. Os casos das turbinas e dos painéis fotovoltaicos brasileiros aparecem ao lado de outras experiências bem sucedidas dos últimos trinta anos, como a geração offshore (em alto-mar) no Reino Unido e o desenvolvimento de veículos elétricos na China.
Com base nas análises que integram o estudo, os pesquisadores defendem que governos devem promover investimentos e trabalhar em regulações para garantir a redução no custo da energia de fonte renovável como estratégia para avançar em direção a matrizes energéticas mais limpas. O entendimento é de que a experiência mostra que políticas estatais conduzidas assim de modo deliberado resultaram em estímulo à inovação e no barateamento das tecnologias relacionadas à energia limpa.
A conclusão contraria lógicas comumente apontadas como melhores do ponto de vista econômico, a exemplo da cobrança por adoção de políticas neutras, ou seja, nas quais o governo apenas “fornece um campo para que as tecnologias compitam entre si”, sem favorecimentos a determinados segmentos. O entendimento aqui é de que a neutralidade é difícil de alcançar, já que “tende a pesar em favor das tecnologias mais maduras”, “discriminando tecnologias emergentes ou futuras, e potencialmente até mesmo promovendo ou reforçando um viés de status quo”.
Conforme o relatório, “ao contrário de alguns dos conselhos dados aos governos nos últimos 30 anos, política governamental, investimentos e regulamentação podem reduzir os custos de energia em vez de aumentá-los, atrair investimentos privados em vez de afastá-los e acelerar inovação e crescimento”.
Conforme o consórcio, essa combinação de benefícios se deu a partir da intervenção clara e deliberada de governos para reduzir o custo de tecnologias limpas, com a criação de demanda. Neste sentido, a indicação feita pelos economistas que integram o EEIST é de que abordagens do tipo sejam replicadas para acelerar a inovação, a criação de empregos e a redução de custos na transição de combustíveis fósseis para fontes menos poluentes.
Boas lições da experiência brasileira
O Brasil aparece no relatório com dois casos: as turbinas eólicas e a expansão da energia solar fotovoltaica. O primeiro remonta à década de 2000, quando uma intervenção governamental criou incentivos para desenvolver infraestrutura e tornar competitivo o custo da geração eólica no país.
Trata-se do Proinfa, o Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia Elétrica, criado em 2002 e que entrou em funcionamento em 2004 para ampliar a participação não só da eólica, mas também da biomassa e das pequenas centrais hidrelétricas no Sistema Interligado Nacional (SIN) após período de estiagem que levou ao racionamento de energia em 2001.
O objetivo era reduzir a dependência brasileira da geração hidráulica, que à época representava três quartos da matriz elétrica nacional. Para tanto foram introduzidas medidas fiscais e regulatórias, com o estabelecimento de cotas de energia, leilões específicos para fontes alternativas e concessão de financiamentos por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), como política prioritária para fomentar o segmento.
Na avaliação do consórcio EEIST, o sucesso desses regulamentos e políticas de incentivo se traduz em números: o custo da capacidade instalada de energia eólica caiu 57% entre 2001 e 2020, além de ela responder por 11,9% da geração de eletricidade do Brasil e aparecer como a segunda maior fonte de energia da matriz elétrica nacional, com 22 gigawatts de capacidade instalada.
A história da solar tem avanços ainda mais rápidos a contar da instalação da primeira grande usina fotovoltaica em solo tupiniquim, em 2011. Desde então a tecnologia cresce rapidamente “graças a mudanças nas políticas que foram fundamentais para impulsionar a implantação solar e a redução de custos”, aponta o relatório.
Conforme o consórcio, a expansão ganhou força após mudança na regulamentação brasileira que, em 2012, permitiu a pequenos fornecedores acessar a rede elétrica sem custo e, em 2015, permitiu a compensação de excedentes lançados na rede na forma de créditos. Outra medida governamental que deu força à fonte solar no país foi sua inclusão em leilões públicos, a partir de 2014.
Após um início lento, a percepção é de que as adaptações promovidas pelo governo brasileiro garantiram os aumentos exponenciais na capacidade instalada da solar, que bateu recentemente a marca de 20 gigawatts e hoje aparece como terceira fonte na matriz brasileira, pouco atrás da eólica.
Responsável pelo estudo, o consórcio EEIST tem como integrantes brasileiros a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília e a Universidade de Campinas (UNICAMP), onde atua o economista e professor José Maria Silveira. À Gazeta do Povo, Silveira destaca que num país do tamanho do Brasil, não faz mais sentido buscar uma solução única para a energia e que os bons caminhos ressaltados no relatório surgiram justamente a partir da necessidade de diversificação, limitando a hidreletricidade. Na avaliação do pesquisador, o país tem dado seguimento às boas políticas mencionadas, mas há passos atrás que não podem ser ignorados.
É o caso das termelétricas que foram incluídas no lei de privatização da Eletrobras. “[O Brasil] deve aproveitar que já está bastante envolvido, que já deu uma boa contribuição para a redução de emissões de CO2 [a partir dos exemplos da solar e da eólica] e não fazer políticas para relançar este tipo de combustível, principalmente para gerar energia elétrica, a gente tem que buscar persistir com as energias alternativas”, completa.
Neste cenário, Silveira reforça que medidas como o emprego de geração termelétrica são exemplo de que raciocínios baseados na eficiência de curto prazo podem na verdade, prejudicar potencialidades e cobrar preços altos no futuro. “Você não pode ficar fazendo análise de custo-benefício todo dia. Com essas políticas, você vai explorar o potencial de redução de custo à medida que a escala aumenta, que as redes de produção de energia limpa vão se consolidado. Todas essas energias [renováveis] vem mostrando reduções de custo e se aproximando da competitividade do equivalente, que seria o uso de energia fóssil”, compara o pesquisador antes de citar outro aspecto econômico importante: a cobrança crescente por cadeias produtivas limpas.
“Tudo isso é importante porque vai determinar a competitividade de todo o sistema nos anos posteriores. Se você tiver uma matriz energética suja, ela vai comprometer a competitividade de toda a indústria que for feita daí para a frente, todas as atividades econômicas. Se a sua matriz energética for poluente, não adianta a atividade econômica se dizer limpa”, reforça, ao apontar que o país pode largar na frente se enfrentar o desafio e priorizar novas soluções.