a força da corrupção nas cidades

A corrupção, que costuma no Brasil ser relacionada a grandes esquemas e à esfera federal, se reproduz com intensidade em menor escala, no âmbito das prefeituras e das câmaras de vereadores. As organizações municipais são o braço do poder público com o maior grau de exposição ao problema, segundo pesquisa elaborada no ano passado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Os desvios envolvem, entre outras fontes de recurso, verbas de origem federal, como as do Fundo de Participação do Municípios (FPM) e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Para especialistas, o quadro se explica pela falta de capacitação dos gestores locais e também por uma ainda pequena cultura de transparência no poder público.

Segundo o TCU, menos de 2% das organizações públicas do país possuem um sistema de proteção adequado contra a corrupção e 82% das instâncias de poder do Brasil detêm risco alto ou muito alto de serem atingidas pelo crime. O Poder Legislativo municipal é o ponto de maior fragilidade.

“Essas informações do relatório para nós são mais do que óbvias e as recebemos sem nenhuma surpresa”, afirmou o economista Bernardo Mota, presidente do Instituto de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (IPLD-FT). Segundo ele, o quadro se dá porque “não há um modelo padronizado de transparência e governança para todos os municípios”.

“Existe um quadro de falta de preparação para o combate à corrupção, com falta de preparo dos agentes que deveriam coibir o problema. É fácil para o político enganar a população”, apontou a advogada Manuella Mácola.

Como funciona a corrupção local

Os mecanismos pelos quais a corrupção se desenvolve na esfera municipal não são diferentes dos que costumam ser citados quando a prática se dá no plano nacional: superfaturamento em compras, licitações fraudadas e empresas de “laranjas” recebendo recursos, por exemplo.

Há ainda desvios que são motivados por convênios firmados entre o governo federal e as administrações municipais. “Por exemplo, quando o Ministério da Justiça anuncia que quer auxiliar as guardas municipais a adquirir equipamento, ou quando o Ministério da Agricultura quer enviar recursos para a compra de retroescavadeiras”, destacou a advogada Bárbara Mácola.

Mota reforçou que a falta de uma sistematização adequada e a presença de mecanismos de transparência frágeis contribuem para que a corrupção do nível municipal seja, via de regra, “premiada” com a impunidade.

“A grande diferença nos casos em município são os altos índices de impunidade, pela pouca transparência na gestão dos órgãos públicos, proximidade entre as pessoas em municípios muito pequenos, o que faz com que as relações pessoais e institucionais se confundam podendo levar a uma vista grossa ou inação em casos que deveriam ser analisados e não são”, acrescentou Mota.

As advogadas Bárbara e Manuella acrescentam que, em muitas ocasiões, os problemas se dão não necessariamente por uma falta de honestidade dos gestores públicos, mas também por carência de capacitação.

Um exemplo citado por elas é o de um prefeito que foi condenado pelo TCU por ter recebido verbas da Caixa Econômica Federal para construir bocas de lobo pela cidade, e acabou destinando os recursos para outras obras viárias. “Era um prefeito que não tinha conhecimento técnico para cumprir o que era esperado”, destacou Bárbara. Há ainda situações, segundo a advogada, em que os prefeitos podem ser responsabilizados por desvios cometidos por subordinados, como secretários.

Tanto Mota quanto Bárbara e Manuella destacam que as irregularidades podem acontecer em cidades de diferentes portes e localizações – ou seja, não há um perfil de município que esteja imune à corrupção. Mas a tendência maior é o de ocorrência de crimes em localidades menos desenvolvidas e mais distantes das capitais estaduais.

Como consertar o problema

O combate à corrupção na escala municipal, segundo especialistas, se dá pelo fortalecimento das instituições e pela capacitação dos gestores locais.

Mudanças na legislação são também bem-vindas: a advogada Bárbara cita como exemplo uma determinação de que os recursos que envolvem alguns tipos de transação pelo poder público só podem ser movimentados por meio de transferências bancárias. A medida proíbe a manipulação de dinheiro vivo, o que inibe uma proposital falta de controle do destino das verbas. Ela também aponta que a adesão a sistemas de governança – o que pode ser feito de forma individualizada pela prefeitura, sem uma “autorização” do poder estadual – corresponde a outro avanço.

Para Bernardo Mota, os avanços podem se dar por meio de um pacto entre os gestores das diferentes localidades.

“Uma união de esforços de todas as autoridades envolvidas para se ter uma estratégia coordenada no combate à corrupção, incluindo treinamento e intercâmbio para troca de experiências, sistemas de tecnologia da informação integrados e até a possibilidade de implementação de ações conjuntas que envolvessem autoridades das diversas esferas, sem duplicação de esforços onde cada um atuasse no seu âmbito de competência, mas podendo intercambiar informações e outros dados que permitam uma melhor avaliação do todo que está sendo analisado”, reforçou.

Referência: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/como-a-verba-federal-alimenta-a-corrupcao-nos-municipios-e-o-que-pode-mudar-isso/

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