A elegância da ginasta artística Rebeca Rodrigues de Andrade, a Rebeca Andrade, 23 anos, 1,55 metro, 50 quilos, amoleceu o coração dos brasileiros na conquista do ouro, no salto, e da prata, no individual geral (reunião dos aparelhos da modalidade), nos Jogos do Japão 2020, disputados um ano depois, em 2021, por causa da pandemia. Entrou para a história como a primeira ginasta brasileira campeã olímpica e a primeira atleta do país a conquistar duas medalhas em uma mesma Olímpíada.


Elegância reafirmada e reforçada dias atrás, na generosidade de, mesmo cansada, atender o R7 ENTREVISTA poucas horas após desembarcar de Paris, para essa conversa. Voltava da etapa parisiense da Copa do Mundo de Ginástica Artística, onde acabara de conquistar a prata nas barras assimétricas, seu equipamento predileto, no palco das próximas Olimpíadas, a serem disputadas em 2024.


Nas apresentações no solo, além da bela plástica desenhada por Rebeca, o funk Baile de Favela, de MC João, faz sucesso à parte. Ao contrário do que pensa boa parte do público – e dos jornalistas – os três não são cariocas. A ginasta é de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, MC João nasceu e foi criado na periferia da zona norte de São Paulo e os bailes citados por ele no funk rolam na capital paulista.

Nesta entrevista, a ginasta enumera detalhes da passagem feliz pelo Japão. Lembra do início difícil no esporte, diante do aperto financeiro da família, revela o que curte fazer nos momentos em que não voa baixo pelo mundo e conta como o funk, combinado à erudição de uma tocata composta no início do Século 18 pelo alemão Johann Sebastian Bach, foi parar em sua coreografia. Menina maravilha – fora o baile. Acompanhe:


Você ganhou 27 medalhas – 13 ouros, 11 pratas e três bronzes – em Olimpíadas, Mundiais, Copas do Mundo e Pan-Americanos, até agora, na carreira. Acaba de chegar de Paris, na França, onde conquistou prata nas barras assimétricas, em uma etapa da Copa do Mundo. Ficou apenas cinco centésimos de ponto atrás da vencedora. Em agosto último, no Brasileiro, retomou o funk Baile de Favela no exercício de solo, marcou 56,734 pontos, a maior pontuação da ginástica artística feminina no mundo naquele momento. Pode-se esperar mais medalhas nos Jogos de Paris 2024?

Rebeca Andrade –
Ai meu Deus… A intenção e o objetivo são esses… Eu e a equipe do Brasil estamos trabalhando muito para isso, né? Mas as únicas promessas possíveis de serem feitas são: trabalho, dedicação, seriedade e luta. Fiquei feliz com meu desempenho agora, em Paris. O ouro e a prata foram definidos por um detalhe mínimo. No masculino, o Caio Souza foi brilhante: levou o ouro nas barras paralelas e a prata no salto. Agora é continuar a trabalhar no Flamengo, o meu clube, e com os companheiros na equipe olímpica.









Você encantou ao ganhar a medalha de ouro no salto e a de prata no individual geral, a reunião das modalidades da ginástica artística, nos Jogos de Tóquio 2020, disputados em meados de 2021 por causa da pandemia. Relembre um pouco a experiência vivida nas conquistas e na temporada no Japão.

Foi um orgulho geral. Para minha mãe, a família, meus técnicos, colegas atletas e, claro, os brasileiros. Por causa da pandemia de covid, a experiência acabou quase totalmente limitada à rotina do esporte. Não houve como conhecer parte da cultura e das cidades japonesas porque, com a pandemia, os deslocamentos foram limitadíssimos pela organização – como, aliás, deveria ser. A gente não podia sair para passear ou realizar qualquer outra atividade. Era da vila olímpica para o ginásio e do ginásio para a vila olímpica. Sempre. Mas poder conhecer a vila, o ginásio, ter contato com atletas da ginástica e de outros esportes do mundo inteiro, ainda que com as limitações impostas, foram coisas maravilhosas, diferentes para mim, que acabava de completar 21 anos.









Mas não deixou de ser um desafio.

Sim – e muito forte. Só quem estava lá mesmo para entender perfeitamente. Estava muito feliz porque consegui superar as lesões e outros problemas na preparação, mas havia o risco de os Jogos não ocorrerem em 2021. Ou mesmo de não serem realizados, com o salto direto do Rio 2016 para Paris 2024. Quando tudo foi confirmado, fiquei feliz, grata, mesmo com todas as limitações impostas pela situação. Lembro-me que, ao pisar na vila olímpica pela primeira vez no Japão, falei para mim mesmo: ‘Meu Deus, me ajude porque tudo o que eu desejo na vida agora é sair daqui mais feliz e grata do que estou neste momento’. Assim foi. Tivemos colegas na equipe, como a Flávia, que passaram aperto. No caso dela, sentiu o pé. Mas estávamos unidos, todos buscando o melhor, mostrando o potencial da equipe, e foi o que se viu. Como se costuma dizer no Brasil, estávamos, no bom sentido, com sangue nos olhos (risos).









Você tem fama de orientar as meninas mais novas da ginástica com dedicação e carinho. É assim mesmo?

Verdade. Essas situações de superação, como as vividas por nós no Japão em 2021, permanecem fortes na minha cabeça. Procuro relembrar tudo isso para discutir reações e soluções com as meninas mais novas que treinam comigo no Flamengo e na equipe olímpica. É importante levantar as dificuldades e listar as soluções individuais e coletivas. Niguém vai estar feliz o tempo todo, sabe? Sempre vai ter alguma coisa para atrapalhar. Faz parte. Na ginástica, a gente trabalha muito com a força individual, interior, que faz cada um insistir até mostrar do que é capaz. Em várias oportunidades, tive motivos suficientes para desistir. Se abandonasse e explicasse ‘foi por isso e também por aquilo’, acho que não me condenariam. São sempre coisas relevantes, que precisam ser enfrentadas com muita vontade e determinação. Não  basta talento. Mas preferi continuar.


O que mais te empurrou para frente?

Graças a Deus tive pessoas que acreditaram no meu potencial, no talento e, mais do que tudo isso, no meu caráter. Apostaram, principalmente, na pessoa que sou. Isso fez a diferença e me motivou a enfrentar as contusões – que na ginástica, definitivamente, não são fáceis -, entre outras dificuldades.









A combinação da clássica Tocata e Fuga em Ré Menor, peça para órgão composta no ínicio do Século 18 pelo alemão Johann Sebastian Bach, com o funk Baile de Favela, criado em 2015 por MC João, é sucesso à parte em suas apresentações de solo. Como surgiu a ideia do funk?

A curiosidade também é grande entre atletas e jornalistas estrangeiros que cruzam com a gente nas competições. Foi uma mistura de acaso com a sensibilidade do coreógrafo da equipe brasileira, o Rhony Ferreira. Ele ouvia o Baile de Favela nos intervalos dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio. Em uma dessas pausas, gostou da batida, imaginou que ela daria certo no meu exercício de solo e teve a ideia. Estava certo. Mérito dele. Adoro a batida. É a minha cara. Acho bacana porque mostra parte da cultura popular brasileira quando o mundo está de olho em algo nosso.


Pela identificação do funk com Rio, Baile de Favela ainda hoje leva boa parte do público, e também dos jornalistas, a pensar que você, o autor e a música são cariocas. Mas os três são paulistas: você é de Guarulhos, MC João é paulistano da periferia da zona norte de São Paulo e a música fala de bailes funk da capital paulista.

Isso. Nasci e fui criada na Vila Fátima, em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Tenho sete irmãos. Minha mãe, Rosa Santos, e minha família sempre batalharam muito. Comecei a treinar aos quatro anos, em um projeto social da prefeitura da minha cidade, no Ginásio Bonifácio Cardoso. Gostava de me pendurar em armários e no que fosse possível. Uma tia minha, funcionária desse ginásio, percebeu meus impulsos e levou-me para fazer o teste. Fui aprovada e o trabalho de convencer minha mãe a deixar-me treinar ficou com minha tia (risos). Felizmente deu certo – mas o início foi difícil. A gente tinha dificuldade considerável na questão financeira. Por muitas vezes, minha mãe arrumou caronas e outras formas de chegar ao trabalho para investir o único dinheiro que tinha, o de seu ônibus do dia, na minha condução e na dos meus irmãos de casa para o treino. Na maioria das vezes, ia com meu irmão Emerson. Quando ela podia, me levava. Recebi apoio de toda a minha família. Queriam que eu fosse feliz e, hoje, devo grande parte dessa felicidade a eles. Em 2010, fui treinar em Curitiba. Fiquei por lá um ano e pouco, e depois mudei-me para o Rio. Estou no Flamengo desde então.




























Qual é o seu aparelho de exercício preferido na ginástica artística?

O que me dá mais prazer individual são as barras paralelas. É meu xodó. Amo. Se pudesse, trabalharia com ele a vida inteira. Mas o que imagino fazer melhor é o de salto. Ganhei o ouro olímpico com ele, né?


O que você curte fazer nos momentos de lazer?

Ir à praia, amo cinema e curto muito cantar, dançar e tocar meu teclado. Canto de tudo: sertanejo, pagode, samba, MPB, música entrangeira… Fico muito feliz também nos momentos em que estou calma no meu canto com o Luiz Ramos, meu namorado. Ele também é atleta, fisiculturista, puxa uns ferros danados. A gente se ajuda e troca incentivos.


Bons incentivos – e treinamentos melhores ainda – neste novo ciclo olímpico.

Obrigado. A equipe e eu vamos precisar muito de tudo isso até Paris 2024.

Referência: http://esportes.r7.com/futebol/rebeca-andrade-a-meta-e-vencer-em-2024-mas-so-da-para-prometer-muito-trabalho-e-sangue-nos-olhos-09102022

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