Quais as estratégias de Lula e Bolsonaro para o segundo turno
O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vão para o segundo turno das eleições com um novo ambiente. O petista recomeça após uma vitória com margem estreita de apenas cinco pontos porcentuais em relação a Bolsonaro, diferentemente do que previam analistas e até mesmo aliados do petista. O presidente, por outro lado, teve um desempenho acima das expectativas no primeiro turno, além de uma vitória expressiva no Congresso.
As eleições para o Senado e para a Câmara fortaleceram o partido do presidente Jair Bolsonaro. O PL fez 7 senadores e vai ter 13 representantes no Senado no próximo ano, a maior bancada da Casa. Na Câmara, o PL terá 99 deputados – quase um quinto da Casa e 24 a mais do que tem hoje. O PT também cresceu na Câmara, de 56 para 76 parlamentares.
Apesar disso, a avaliação é de que, somando com os eleitos de outros partidos, o novo Congresso será mais conservador do que o atual. Se Bolsonaro conseguir engajar esses eleitos em sua campanha, terá um capital político maior do que o dos congressistas mais ligados a Lula.
Já a eleição para os governos estaduais teve um “empate técnico” numérico em termos de palanques para Bolsonaro e Lula no segundo turno. Entre os governadores eleitos, seis são aliados de Bolsonaro e cinco, de Lula. Dos candidatos que foram ao segundo turno, sete são aliados do presidente, e outros sete do petista.
Diante desse cenário, representantes de ambas as campanhas já trabalham nas estratégias para o segundo turno, marcado para o próximo dia 30, e para tentar ampliar as alianças.
No domingo (2), após o resultado do primeiro turno estar definido, Bolsonaro não descartou a possibilidade de negociar um possível apoio com Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Mas a tendência é que os dois estejam ao lado de Lula.
Aliados do ex-presidente Lula vão se reunir em São Paulo, nesta segunda-feira (3), para detalhar a ofensiva para conquistar alianças com os partidos de Ciro Gomes (PDT) e de Simone Tebet (MDB). “Não tem nada comparado ao primeiro turno. Você vai procurar as forças políticas que foram derrotadas para conversar. Se você não consegue conversar com quem não quer conversar, você vai conversar com o partido, com os eleitores”, afirmou Lula no domingo (2), após o resultado estar definido.
No caso de Ciro Gomes, que terminou com 3% dos votos válidos, o comando do PT avalia ser possível uma composição diretamente com o presidente pedetista, Carlos Lupi. Logo após o resultado das urnas, o candidato do PDT disse que “nunca viu uma situação tão complexa” e afirmou ser necessário “falar com o partido” para “acharmos o melhor caminho para servir a nação brasileira”. Na véspera da votação, ele descartou qualquer possibilidade de apoiar o PT no segundo turno.
Por outro lado, Simone Tebet, que terminou em terceiro lugar com 4% dos votos válidos, disse que vai aguardar o posicionamento dos presidentes dos partidos que a apoiam (MDB, Podemos e a federação PSDB/Cidadania) para manifestar sua posição no segundo turno. Entretanto, afirmou que sua decisão está tomada. “Só não esperem de mim, que tenho uma trajetória de vida de luta pelo país, neste país que tanto precisa de nós, omissão”, disse.
A ideia do PT é discutir pessoalmente com o ex-presidente Michel Temer (MDB), antes visto como “traidor” por ter rompido com Dilma Rousseff durante o processo de impeachment. Além do eventual apoio no segundo turno, a expectativa é atrair o MDB para um eventual governo Lula a partir de 2023.
Quais são os palanques estaduais estratégicos para Bolsonaro e Lula no 2.º turno
Na campanha de Bolsonaro, uma das principais apostas é conseguir o apoio do governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Minas é considerado um estado-chave para a eleição, e ainda não está claro se Zema irá pedir votos para Bolsonaro no segundo turno. Mas ela já disse anteriormente que não vai apoiar o PT.
No Rio de Janeiro, onde o governador Claudio Castro (PL) também se reelegeu no primeiro turno, Bolsonaro vai usar a derrota dos palanques petistas para expor a candidatura de Lula.
Já em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, Bolsonaro pretende explorar ao máximo a candidatura de Tarcísio de Freitas, que terminou o primeiro turno à frente de Fernando Haddad (PT), candidato de Lula no estado.
O partido de Lula, no entanto, pretende buscar uma aliança com o PSDB e com o Rodrigo Garcia por meio de Geraldo Alckmin (PSB). Para negociar o apoio tucano no maior colégio eleitoral do país, o PT não descarta apoiar Eduardo Leite (PSDB) no segundo turno do Rio Grande do Sul. Lá, os tucanos vão disputar o governo contra Onyx Lorenzoni (PL). Na avaliação do PT, Leite contaria com o apoio do petista Edegar Pretto, terceiro colocado no primeiro turno. Se o acordo for feito, Lula também garante um palanque na disputa gaúcha.
Na Bahia, quarto maior colégio eleitoral do país, Bolsonaro deve buscar uma aliança com o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil). Responsável pelo palanque do presidente na região no primeiro turno, o ex-ministro João Roma (Republicanos), que teve 9% dos votos, indicou que a situação do estado seria discutida com a cúpula da campanha de Bolsonaro. “O nosso foco é trabalhar para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Vamos conversar com presidente e com nosso grupo politico aqui na Bahia. Vamos sentar e definir como será nossa estratégia para que a gente possa mudar este cenário no estado da Bahia”, disse Roma.
No estado, o PT terminou com a candidatura de Jerônimo Rodrigues em primeiro lugar com 49% dos votos. A expectativa é de que Lula invista em agendas na Bahia para que o PT mantenha o comando do estado por mais um mandato.
Bolsonaro vai defender legado na economia para ampliar o antipetismo
No campo do discurso a ser adotado no segundo turno, Bolsonaro sinalizou que pretende defender seu legado na economia e que vai continuar focando nos escândalos de corrupção nas gestões petistas e na reativação do sentimento antipetista dos eleitores.
Também é dado como certo que Bolsonaro vai ampliar a aposta na agenda de costumes e que subirá o tom contra o aborto, a ideologia de gênero, o combate às drogas e à regulamentação da imprensa e das mídias, tentando sempre associar o petista negativamente a essas pautas. “Vamos agora mostrar melhor para a população brasileira, em especial a classe mais afetada, que é consequência da política do ‘fica em casa, a economia a gente vê depois’, de uma guerra lá fora, de uma crise ideológica também”, disse Bolsonaro no domingo (2).
A agenda de costumes seria adotada para elevar a rejeição do ex-presidente e estimulá-lo a entrar no debate ideológico, em que o presidente se sai melhor, segundo interlocutores. Em relação ao legado do seu governo, Bolsonaro vai defender o Auxílio Brasil, a transposição do Rio São Francisco, a criação do Pix e a reação econômica pós-pandemia da Covid-19.
“Eu entendo que tem muito voto que foi pela condição do povo brasileiro, que sentiu o aumento dos produtos. Em especial, da cesta básica. Entendo que há uma vontade de mudar por parte da população, mas tem certas mudanças que podem vir para pior”, completou o presidente.
O deputado federal Coronel Tadeu (PL-SP), vice-líder do PL na Câmara, entende que a “regra básica” da campanha de Bolsonaro é “bater” em Lula, mas também destaca que é preciso mostrar o que foi feito. “É preciso focar muito nas classes D e E, onde há muitas pessoas cooptadas, mas também desinformadas. Mas com tempo de TV igual, ele vai ter muito mais facilidade para mostrar a verdade”, diz.
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) concorda que a campanha presidencial vai ter que intensificar a informação do que foi entregue até por entender que faltou comunicar melhor a população. “Acho até que melhorou bastante nos debates e nas sabatinas, mas precisa intensificar as informações”, afirma.
Ela também defende viagens para estados onde ele foi menos votado a fim de converter votos. E espera que os aliados políticos eleitos e reeleitos possam ajudá-lo no segundo turno. “Eu mesma vou continuar rodando São Paulo para ajudar ele e o Tarcísio [de Freitas, candidato ao governo que também está no segundo turno]”, diz.
Lula vai apostar no discurso de união pela democracia
O mote do discurso de Lula no segundo turno deve ser de união nacional em defesa da democracia. E, nesse aspecto, a formalização de novas alianças, especialmente com o PDT de Ciro Gomes e o MDB de Simone Tebet, faz parte dessa estratégia. Há ainda uma tendência de Lula fazer acenos ao eleitor de centro, e de aumentar as críticas a deficiências do governo Bolsonaro
O deputado federal Bacelar (BA), líder do PV na Câmara, partido que apoia Lula, diz que a estratégia “correta” é promover uma grande coalizão e acredita na possibilidade de o PSD também apoiar o petistas – ou ao menos lideranças do partido. “Essa não é uma eleição entre Lula e Bolsonaro, é uma eleição para manter o padrão civilizatório no Brasil e fortalecer a democracia. Todas as forças políticas brasileiras têm que se juntar para derrotar Bolsonaro”, diz.
O deputado federal Professor Israel Batista (PSB-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, também entende ser necessário falar sobre propostas em diferentes áreas, como economia, social, saúde e educação. “Eu mesmo vou atuar para demonstrar o apagão e as falhas de políticas públicas na educação, como formação docente, recuperação de aprendizagem e o enfrentamento à evasão escolar. Também vou apresentar a sequência de derrotas que o governo Bolsonaro impôs aos servidores”, diz.
Na hipótese de Bolsonaro não conseguir elevar a rejeição de Lula, aliados do petista apostam que até mesmo nomes do Centrão, que hoje estão com o presidente, passem a apoiar o petista. Segundo o deputado Bacelar, isso já ocorre. “Tem partidos e lideranças importantes do entorno do Bolsonaro que já estão se aproximando de Lula, abrindo portas e construindo pontes”, diz.
O que especialistas dizem sobre as estratégias de Bolsonaro
O cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entende ser natural a aposta da campanha de Bolsonaro pela agenda de costumes. “A sociedade brasileira é profundamente conservadora, é contra o aborto e o casamento de pessoas do mesmo sexo”, diz.
Em uma campanha pautada pelo emocional para mobilizar a a população, Baía entende que a pauta de costumes pode fazer alguma diferença ao “obrigar” Lula a se posicionar no campo ideológico. “Em abril, ele deu uma declaração [sobre o aborto] e precisou voltar atrás”, diz. “Confesso que até estranhei o Bolsonaro não ter explorado isso ao longo do primeiro turno, pois é algo que pode garantir votos. A ‘bala de prata’ dele é a pauta de costumes e a questão do armamento, não a de corrupção.”
O cientista político e sociólogo André César, analista da Hold Assessoria Legislativa, concorda que é estratégico para a campanha de Bolsonaro reforçar a agenda de costumes por ser muito “cara” não apenas ao eleitorado “raiz” do presidente, como também a setores conservadores que, a rigor, não são tão ideológicos. Porém, ele entende que o presidente e sua campanha vão ter que dosar o tom dos discursos e críticas a Lula e não abdicar da agenda propositiva.
“Ele vai ‘carregar nas tintas’ no chamado antipetismo e tentar recuperar a parcela conservadora que migrou para o lulismo, não para o petismo. Seria um caminho atacar nessa frente falando de mensalão, petrolão e da agenda de costumes”, diz o analista político. “Mas ele também vai precisar reforçar os ganhos econômicos e falar que a economia poderia estar pior. É o único caminho”, acrescenta.
O cientista político Lucas Fernandes, coordenador de análise política e sustentabilidade da BMJ Consultores Associados, também acha que a campanha de Bolsonaro terá que mirar na pauta econômica e social. “Com tempo de TV igual [na propaganda eleitoral] e mais um mês para usar a máquina pública, ele vai precisar mostrar propostas e convencer que é o candidato mais apto a acabar com a fome e endereçar problemas na economia. É natural tentar reativar o antipetismo, mas não pode bater só na tecla da corrupção”, sustenta.
A despeito das estratégias adotadas pela campanha de Bolsonaro, o cientista político Enrico Ribeiro, sócio-diretor da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, acha difícil o presidente reverter a derrota sofrida no primeiro turno e se reeleger. Para ele, já há uma precificação da pauta de costumes pelo eleitorado e os discursos sobre corrupção se mostraram insuficientes para elevar a rejeição de Lula.
“A eleição seguirá no segundo turno marcada por narrativas, não propostas. Então, teremos a continuidade de uma guerra de rejeições. E a de Bolsonaro é maior. A rejeição elevada dele é o que a gente chama na ciência política de uma reeleição proibitiva. Será difícil para ele reduzir a sua e aumentar a de Lula com a agenda de costumes e de corrupção”, diz Ribeiro.
O cientista político André César também prevê dificuldades para o presidente. Segundo ele, o principal desafio de Bolsonaro é não repetir o resultado de Geraldo Alckmin nas eleições de 2006, quando era filiado ao PSDB e disputou o pleito com o ex-presidente Lula: “Foi um caso inédito onde ele teve menos votos no segundo turno [39,17%] do que no primeiro [41,64%]”, diz.
O que especialistas dizem sobre as estratégias de Lula
O cientista político Lucas Fernandes, da BMJ Consultores Associados, avalia que a principal prioridade da campanha de Lula é fortalecer o movimento de coalizão e construção de uma “frente ampla” em defesa da democracia. Para ele, é provável que não apenas o PDT e o MDB componham com Lula. Ele diz acreditar que isso pode ocorrer também com o União Brasil e ao menos lideranças do PSDB e Cidadania, que se uniram em uma federação partidária.
“Diferentemente do Ciro [Gomes, candidato do PDT], é provável que a [Simone] Tebet [candidata do MDB] englobe essa frente ampla. A Soraya Thronicke [candidata do União Brasil] tem dado sinais de ser mais anti-Bolsonaro do que anti-Lula, e seu partido quer a presidência da Câmara [isso poderia ser usado na mesa de negociações por um apoio]. Há toda essa lógica de vender caro o apoio, e talvez tenhamos tucanos fazendo gestos a Lula, como [o ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso e o [senador José] Serra”, avalia.
O analista político Lucas Fernandes entende que a construção de uma coalizão ampla é possível e cumpriria o papel de isolar Bolsonaro e demonstrar a falta de apoio político. “Lula vai poder ampliar o discurso sobre fome, a memória positiva da economia e da qualidade de vida nos governos Lula, e estimular o antibolsonarismo”, afirma.
O cientista político Enrico Ribeiro, da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais, entende que isso é possível. “E aí, Lula vai tentar reforçar a rejeição do Bolsonaro com uma campanha ainda mais agressiva de tentar mostrar as contradições do governo. A meta será elevar a rejeição ou ao menos mantê-la alta o suficiente para impedir a reeleição, diz.
O cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ, entende que a coalizão favorece o petista a aprofundar sua pauta social e econômica. Também avalia que Lula não sai desgastado pela estratégia de Bolsonaro em associá-lo aos escândalos de corrupção. “Eles vão colocar que o STF declarou a suspeição do [ex-juiz da Lava Jato Sergio] Moro, falar sobre a CPI da Covid e as denúncias no Ministério da Educação”, diz.
O analista Lucas Fernandes diz ainda que a campanha de Lula também precisará manter elevada a moral de quem apoia o ex-presidente. O cientista político André César, da Hold Assessoria Legislativa, concorda com a análise de que o petista terá que atuar para garantir que quem o apoia se mantenha engajado a fim de estimular e convencer mais eleitores a votar em 30 de outubro. “A campanha de Lula estava na expectativa de fechar as eleições no domingo. Então, foi um balde de água fria violento. Agora, é não se deixar abater, pois o segundo turno pode abater bastante a militância”, avalia André César. “Agora, é buscar apoios simbólicos e importantes. O problema é que demorou um pouco, no seio da campanha petista, para anunciá-los”, diz.