TSE veta quase 1/3 da publicidade do governo no período eleitoral
Desde o início de julho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vetou nove dos 28 pedidos do governo Jair Bolsonaro já analisados para veicular campanhas institucionais, propagandas e pronunciamentos em cadeia nacional de rádio e TV sobre suas ações. Pela Lei Eleitoral, nos três meses que antecedem a eleição (período conhecido como “defeso eleitoral”), a administração federal é obrigada a submeter à Corte as peças de publicidade que pretende divulgar nos meios de comunicação, na internet, nas redes e nas ruas.
Isso porque, nesse período, a norma proíbe aos agentes públicos anunciar atos, programas, obras, serviços e campanhas “salvo em caso de grave e urgente necessidade pública”, exceção que deve sempre ser aferida pela Justiça Eleitoral. No caso do governo federal, essa decisão cabe ao presidente do TSE. Um levantamento feito pela reportagem mostra que de 2 julho para cá, os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, que ocuparam o cargo desde então, reconheceram urgência e gravidade para autorizar 19 campanhas e rejeitar nove.
Nesse último grupo, há quatro pedidos do governo para
autorizar o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a realizar pronunciamentos no
horário nobre, em todos os canais de TV e emissoras de rádio, para incentivar a
população a se vacinar contra a poliomielite, a rubéola, o sarampo, a febre
amarela e a varíola dos macacos.
Há ainda um pedido rejeitado para veiculação de campanha de vacinação contra a raiva animal; duas campanhas vetadas para convocação de formandos na área de saúde para o serviço militar obrigatório; outras duas campanhas ligadas ao Dia Nacional do Consumo e outra de alerta à população sobre cuidados em áreas de dutos da Transpetro.
Vetos a pronunciamentos sobre a vacinação
No primeiro pedido por pronunciamentos a favor da vacinação, a Secretaria de Comunicação (Secom) apontou utilidade pública, no sentido de “reduzir o risco de reintrodução do poliovírus e garantir proteção contra diversas doenças imunopreveníveis”. Inicialmente, o governo pedia que o pronunciamento fosse realizado no dia 5 de agosto, Dia Nacional da Saúde.
Fachin, no entanto, rejeitou esse primeiro pedido, por
entender que não foi demonstrada gravidade ou urgência num pronunciamento de “comemoração
ao Dia Nacional da Saúde”. “Trata-se, enfim, de uma comemoração e não de
situação que agasalhe providência informada pelo caráter de gravidade ou, tampouco,
urgência”, diz a decisão, assinada em 28 de julho.
No dia 2 de agosto, o ministro Fachin autorizou o lançamento da Campanha Nacional de Poliomielite e de Multivacinação 2022, para veiculação de propagandas na mídia, entre 8 de agosto e 9 de setembro, para convocar os pais a vacinarem os filhos. Neste caso, que não envolvia um pronunciamento, ele verificou “interesse público, na medida em que assegura o direito à informação e à saúde e oportuniza acesso às vacinas, contribuindo para o aumento das coberturas vacinais e eliminação das doenças imunopreveníveis”.
Ainda assim, o governo insistiu na tentativa de fazer um
pronunciamento. Num novo pedido, submeteu o texto que seria lido por Queiroga,
em que ele enaltece o sucesso e a abrangência do Programa Nacional de
Imunizações (PNI), que erradicou a poliomielite em 1989, e alerta para o perigo
de ressurgimento da doença, que causa paralisia infantil.
“Precisamos agir agora, para evitar a reintrodução de
enfermidades como a poliomielite e a rubéola, bem como controlar casos de sarampo
e febre amarela […] Quero me dirigir, especialmente aos pais e mães deste
Brasil, e convidá-los a levar seus filhos aos postos de vacinação. Não é
aceitável que pessoas, especialmente as crianças, adoeçam e morram de
enfermidades para as quais já existe vacina há muitos e muitos anos. É
fundamental o empenho de todos, dos governos e da sociedade, para recuperarmos
os altos índices de vacinação e protegermos todos os brasileiros”, diziam
trechos do pronunciamento.
O objetivo é que ele fosse exibido nos dias nos dias 9, 10
ou 11 de agosto. Fachin, no entanto, negou o pedido, pois considerou que a
tônica do discurso não era a vacinação, mas outras partes que narravam a
atuação do Ministério da Saúde “no passado remoto e próximo, além de renovar a
pretensão de manifestar-se sobre o Dia Nacional da Saúde”. Por fim, argumentou
que a Constituição “desautoriza a personificação de programas da administração
pública federal”, especialmente no período das eleições.
Ainda em agosto, a Secom tentou pela terceira vez
autorização para o pronunciamento, desta vez junto a Alexandre de Moraes, que
assumiu a presidência do TSE no dia 16. O órgão apresentou um texto semelhante,
mas mais enxuto. Moraes, no entanto, rejeitou, lembrando que uma campanha de
mídia com as informações sobre a vacinação já havia sido autorizada por Fachin,
“inexistindo a necessária demonstração da gravidade ou urgência que justifiquem
a aparição da figura do Ministro da Saúde em cadeia nacional”.
O novo presidente do TSE repetiu o argumento do antecessor contra
a personificação e que havia intuito “nitidamente político-eleitoral”,
especialmente em trechos em que o ministro exaltava o SUS, o PNI e na saudação
final, em que diria “Deus abençoe o nosso Brasil!”.
No dia 22 de agosto, Moraes ainda negou outro pedido de pronunciamento,
desta vez para incentivar a vacinação contra a varíola dos macacos.
A Secom apontou a existência de mais de 2 mil casos no país,
a situação de emergência internacional e a necessidade de manifestação do
ministro da Saúde para evitar o “desespero coletivo da sociedade diante do
temor de uma doença desconhecida”. “A inserção do pronunciamento, em tom de
alerta e esclarecimento, com informações claras e objetivas, tem o potencial
maior de despertar a conscientização da população sobre os cuidados, prevenção
e as orientações em caso de sintomas e de confirmação da doença – ações
individuais essenciais para a proteção da saúde coletiva e de extrema
importância neste momento”, argumentou o órgão. O plano era veicular o
pronunciamento nos dias 18, 19, 20 ou 21 de agosto.
Moraes, no entanto, rejeitou, novamente alegando que uma campanha com peças publicitárias já havia sido autorizada, se opondo à aparição do ministro, com base no princípio da impessoalidade.
Além desses pronunciamentos, o TSE inicialmente também vetou a veiculação de uma campanha de vacinação contra a raiva animal. Em 15 de agosto, um dia antes de deixar o comando do tribunal, Edson Fachin observou que as propagandas começariam no dia 10, mas que não haveria data final, o que, segundo ele, prejudica a análise sobre a gravidade e urgência. Depois, verificou que, nos últimos 12 anos, foram notificados somente 45 casos de raiva em humanos. O governo recorreu e, só no dia 1º de setembro, 20 dias depois do marco inicial para veiculação da campanha, Alexandre de Moraes a autorizou, ao verificar que só neste ano foram registrados cinco casos, levando à morte três adolescentes e duas crianças, sendo quatro indígenas.
Campanhas autorizadas pelo TSE, mas com restrições
Dos 28 pedidos de publicidade institucional do governo analisados até a última sexta-feira (9), data de fechamento desta reportagem, o TSE havia autorizado a veiculação de 19 campanhas, sendo 11 por parte de Edson Fachin e oito por parte de Alexandre de Moraes.
Na área de saúde, foram permitidas a divulgação de propagandas
informativas – mas sem pronunciamentos – sobre a vacinação contra diversas doenças,
como Covid, hepatites virais, poliomielite e varíola dos macacos. Também foi autorizada
campanha a favor da amamentação.
Na área da educação, foram liberadas campanhas para avisar estudantes
sobre datas e formas de inscrição no Prouni (programa de bolsas de estudo no
ensino superior), para adesão ao Fies (que concede empréstimos para pagamento
de mensalidades em faculdades privadas), de ingresso no Instituto Federal
Catarinense (escola técnica profissionalizante), para provas do Encceja (exame que
certifica adultos nos ensinos fundamental e médio) e para inscrição de graduandos
em medicina em residências médicas.
Também foram permitidas campanhas sobre o Censo 2022, de
alertas sobre incêndios, de pagamento de taxas em áreas da União ocupadas por
particulares, e também da comemoração do Bicentenário da Independência.
Todas essas autorizações, no entanto, vieram acompanhadas de uma série de restrições do TSE. Em praticamente todas, não se permite menção ao governo federal e, em várias, a propaganda sequer poderia divulgar o endereço eletrônico gov.br, que disponibiliza uma série de serviços online para os cidadãos. Os ministros permitiram apenas a aparição do ministério responsável pelo programa e do link específico para ele na internet.
Em algumas decisões, Fachin afirmou que a menção ao governo federal implicaria em promoção da atual gestão de Bolsonaro, o que provocaria desequilíbrio na disputa eleitoral. Moraes agiu de forma semelhante, em alguns casos, proibindo até que o endereço na internet do serviço contivesse a abreviação “gov”.
“Defiro a liminar para autorizar a veiculação da referida publicidade institucional, permitida apenas a identificação do Ministério da Saúde, órgão responsável pela campanha, devendo ser afastada no material publicitário, porém, a alusão a sítio da internet contendo, mesmo de forma abreviada, menção ao ‘governo’”, decidiu o ministro, por exemplo, ao autorizar a campanha de incentivo à dose de reforço da vacina contra a Covid.
Dentro do governo, a avaliação é que essas restrições são exageradas e podem prejudicar o acesso fácil a informações úteis para o atendimento nos serviços públicos. A proibição de pronunciamentos também é criticada, pois considera-se que uma manifestação verbal do ministro tem muito mais peso, abrangência e eficácia para incentivar a vacinação.